Texto publicado no Jornal do Fundão a 5 de Setembro de 2018
Artigos anteriores:
- Os romanos passaram pela Gardunha- Os Moinhos da Serra da Gardunha
- As Secadeiras da Gardunha
- Serra da Gardunha - Um território de passagem
- Lendas da Gardunha
- Ursos, lobos e zebros
- Os Castros da Serra da Gardunha
Serra da Gardunha, 2017
Foi há pouco mais de um ano que a Serra da
Gardunha foi devastada pelo violento incêndio que dificilmente se apagará da
memória de todos os que o viveram de perto. O heroísmo e a solidariedade da
população do Fundão foram já reconhecidos e alvo de homenagem por parte da
Câmara Municipal mas o mais importante, que é a recuperação e a implementação
de um modelo de ordenamento e gestão da Serra da Gardunha, continua a ser uma
miragem. Na Serra da Gardunha, os municípios, o ICNF, a APA e a DRABI continuam
a atropelar-se na gestão do território e parece ser difícil encontrar um rumo.
Seria no entanto tremendamente injusto referir
este como sendo um problema exclusivo da nossa serra quando se trata de um
problema nacional crónico. Desde logo, o incêndio da Gardunha foi apenas um
entre os inúmeros que em 2017 consumiram mais de 440.000 hectares, o corolário
de uma década terrível em que mais de um terço da floresta portuguesa ardeu.
Este facto veio por a nu, como se ainda fosse
preciso, que em Portugal não existem políticas de ordenamento florestal nem de
prevenção de incêndios dignas desse nome. Pior ainda, ninguém pode afirmar que
o que sucedeu em 2017 foi algo completamente inesperado. Num país em que se
chega ao cúmulo de se definir oficialmente uma “época de incêndios” e já se
perdeu o sentido de ridículo de que este conceito se reveste, ninguém poderia
ignorar que um ano com condições climáticas mais extremas levaria inevitavelmente
a este desfecho.
Poder-se-ia pensar que finalmente as lições
teriam sido aprendidas mas não. Até agora, a medida mais sonante que o Governo
tomou foi a promulgação de uma lei de obrigatoriedade de limpeza que,
cavalgando a onda do trauma recente e empurrada pela ameaça de multas chorudas,
acabou por ser nociva para a floresta portuguesa.
Por um
lado, se houve um facto que para todos ficou evidente foi que as árvores
autóctones são mais resistentes ao fogo que os pinheiros-bravos e eucaliptos que
dominam o nosso território. No entanto, a lei tratou de situar todas as
espécies ao mesmo nível o que não terá de todo desagradado a certos grupos
económicos que prosperam ao ritmo do pinhal e eucaliptal e que no rescaldo dos
incêndios tinham sido postos em causa.
Por outro lado, no país onde as leis são
traçadas a régua e esquadro num gabinete distante da realidade, só depois do
abate de árvores centenárias, espécies protegidas e até de árvores de fruto,
alguém decidiu vir a terreiro explicar que afinal não era necessário cortar
tudo a eito. Apesar de tudo, a criação de zonas de protecção ao redor das
aldeias foi uma consequência positiva.
Acontece que só esta questão da limpeza é tão
eficaz no quadro geral como a delimitação de uma zona livre com fita de
segurança ao redor de uma bomba-relógio. Continuamos todos à espera de uma lei
concreta de ordenamento florestal que sirva verdadeiramente o propósito de um
floresta com QUALIDADE e BIODIVERSA. A floresta que temos em Portugal é cada
menos digna desse nome, antes sendo uma exploração silvícola mono-cultural
intensiva cujo único objectivo é o de obter lucro o mais rápido possível.
O problema é que a nossa classe política vive
refém de interesses que nada têm a ver com o interesse público e que lhe
restringe a liberdade (ou a vontade?) de implementar reais medidas de fundo.
Antes preferem as medidas cosméticas em embalagem populista, sabendo de antemão
que todas as decisões que tomarem dificilmente serão alvo de avaliação ainda
durante a vigência do seu mandato. Seja como for, a estratégia crónica de
culpabilização dos antecessores oferecerá sempre uma almofada de conforto para
o caso de algo correr menos bem.
Também os privados, que detêm a esmagadora
maioria do território de floresta em Portugal, vivem hoje reféns da ideia,
herdada do período do Estado Novo, de que a única forma de obter rendimento da
floresta é através de pinheiros e eucaliptos. Quem os pode censurar quando nada
foi feito a nível superior para contrariar esta ideia e a possibilidade de que obter
algum rendimento, mesmo que seja uma lotaria, é melhor do que não obter
absolutamente nada?
Em 2017 Portugal, com a Serra da Gardunha,
ardeu. Como referi na altura, todos nós, com a nossa inacção e silêncio, fomos
cúmplices. Então como agora, continua a pertencer aos cidadãos o poder de mudar
o rumo dos acontecimentos e é urgente fazê-lo. A contagem decrescente
recomeçou.
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