Os Castros da Serra da Gardunha

Texto publicado no Jornal do Fundão a 8 de Agosto de 2018 

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A Penha destaca-se na crista da Serra da Gardunha

Diz a voz da tradição popular que foi entre as penedias da Serra da Gardunha que as gentes da Idanha procuraram refúgio perante a aproximação dos invasores muçulmanos, a isso se devendo a própria origem do nome de Gardunha. Embora a veracidade deste relato esteja ainda por comprovar, não deixa de ser verdade que, durante séculos e muito antes da chegada dos muçulmanos, houve quem procurasse abrigo no seio da Gardunha, não em busca de refúgio temporário, mas para aí estabelecer povoados permanentes fortemente defendidos. A estes povoados chamamos “castros” e na Gardunha conhece-se a localização de alguns.


Estes castros, também conhecidos mais a Norte como citânias ou cividades, eram povoados implantados no topo de elevações de média altitude e rodeados por algumas cinturas de muralha. Surgiram há cerca de 3000 anos no Noroeste da Península Ibérica em plena Idade do Bronze. As casas tinham uma planta circular e cobertura em colmo, estando agrupadas em núcleos familiares, separados uns dos outros por ruas de largura e traçado muito irregulares. As casas tinham um único espaço interior em cujo centro se situava a lareira. Era nesta que se cozinhava e era ao seu redor que as famílias se reuniam para comer ou para dormir.


Para além do relevo e das muralhas, também era comum reforçarem-se as defesas com com fossos e zonas de pedras fincadas, de forma a dificultar a aproximação de eventuais atacantes, fossem eles os povoados vizinhos ou não. No entanto, a localização dos castros no topo das elevações também assegurava uma função de domínio territorial, permitindo a vigilância atenta de todo o território que dali se avistava. A vigilância era muitas vezes reforçada pela construção de atalaias em locais estratégicos, para alargar o alcance visual.

Qualquer viajante que há 3000 anos passasse junto à Serra da Gardunha ou pela Cova da Beira, poderia avistar estes aglomerados de casas apinhados no topo dos montes, rodeados por impressionantes muralhas. Estas comunidades faziam da agricultura e da pastorícia as suas actividades principais de subsistência, sendo que também se dedicavam à extração mineira e ao comércio, fazendo parte de rotas comerciais que se chegavam a paragens tão longínquas como o Médio Oriente ou o Norte da Europa.

Na Serra da Gardunha, o monte de São Brás, o monte de São Roque (ou Trigais), ambos no concelho do Fundão, e o Castelo Velho, no concelho de Castelo Branco, correspondem sem sombra de dúvida a castros. Há também quem situe num castro a origem da aldeia do Alcaide. Já o lugar do Picoto, junto ao Souto da Casa, terá sido uma atalaia do castro de São Brás, permitindo-lhe estender o domínio visual até à Serra da Maúnça e para lá da Argemela, onde aliás também existiu um castro.

A Penha da Gardunha também é apontada como sendo um local onde terá existido um castro mas, quanto a nós, os vestígios aí encontrados são demasiados escassos para tal afirmação. A existência nesse local do santuário medieval dedicado à Senhora da Serra permite outra hipótese: a de aí ter existido um santuário pagão, semelhante ao do Cabeço das Fráguas entre a Guarda e o Sabugal, cujo valor sagrado terá persistido ao longo dos tempos, até ser finalmente cristianizado.

Os castros da Serra da Gardunha, juntamente com os restantes castros identificados no concelho do Fundão, são lamentavelmente ainda pouco conhecidos do público e, por isso mesmo, vítimas fáceis de atentados patrimoniais. Constituindo locais onde os valores históricos e arqueológicos se conjugam na perfeição com o valor paisagístico e natural, deveriam ser vistos como elementos estratégicos fundamentais para a valorização do território na sua oferta turística tanto cultural como natural. No concelho do Fundão tentou-se em 2004 implementar a chamada Rota dos Castros que, de grosso modo, não passou da colocação de sinalização rodoviária. Nada foi feito em concreto para valorizar os castros ou incentivar a sua preservação.

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