Passadiços. As razões para sermos contra esta nova moda


De Norte a Sul, a moda dos passadiços está a tomar conta do país. Os slogans que os promovem invariavelmente propõem a ilusão de partir à descoberta dos segredos mais bem guardados da natureza ou o visitar da natureza em estado puro. No entanto, o que esta proliferação de passadiços está a fazer é precisamente o oposto, colocando em risco a natureza, expondo locais até agora selvagens ou pouco frequentados ao turismo de massas, com tudo o que isso implica. Mas comecemos pelo início.

A colocação de passadiços em Portugal começou na década de 1980 nas zonas costeiras, tendo como objectivo diminuir o impacto da passagem das pessoas nos ecossistemas das dunas durante a época balnear. A instalação deste tipo de equipamentos foi-se alargando, conjugando a preocupação ambiental com a vontade em criar condições de acessibilidade. A dada altura, no entanto, os passadiços começaram a ser vistos como equipamentos de recreio, tendo esta função acabado por se tornar predominante, transformando até o fenómeno dos passadiços num de oferta turística popularucha.

Em 2015, foram inaugurados os passadiços do Paiva que, aliás, são hoje uma referência para este tipo de percursos em Portugal, em todos os aspectos. No entanto, são também um claro exemplo do efeito negativo que exercem na natureza que, paradoxalmente, alegam promover. A curiosidade e o interesse gerados pela divulgação dos passadiços dos Paiva levaram a um afluxo em massa de visitantes, mais turistas da natureza que verdadeiramente caminheiros e amantes da natureza, tendo-se chegado a registar cerca de 10.000 visitantes num só dia. O impacto desta afluência no local foi terrível.

Ao longo de todo o percurso acumulou-se lixo, a vegetação foi cortada, o ruído aumentou tremendamente, juntando-se a isso o aumento da circulação automóvel, o aparecimento de vendas ambulantes e bares ilegais. Foi de tal monta que foi necessário limitar o número de entradas diárias a um máximo de 3.500 e, como não foi suficiente, o número foi reduzido para 2.500. As regras a apelar ao respeito pelo local são claras, mas, numa visita relativamente recente que fizemos ao local, ficou claro que não havia controlo além das zonas de acesso, havendo inclusive visitantes que chegaram ao cúmulo de transportar consigo altifalantes debitando os últimos sucessos dos arraiais de Verão. Apesar dos protestos de uma associação ambientalista local, parece ser claro que a aposta autárquica é na massificação turística. O anúncio com pompa e circunstância da construção da “maior ponte pedonal suspensa do Mundo” para ligar os passadiços a outro refúgio da natureza ali próximo demonstra-o.

A febre da criação de passadiços é de tal monta que até se constroem passadiços sobre trilhos pedestres já existentes, aumentando drasticamente o custo de criação do percurso e desvirtuando a experiência de proximidade com a natureza. Em suma, e salvo algumas boas excepções, propor percursos em passadiços como percursos de valorização e promoção da natureza é como criar uma linha de refeições prontas ultra-congeladas com o rótulo de “comida caseira da avó”. Chega a mais pessoas, o custo de produção e a factura ambiental são maiores, mas, definitivamente, está longe de ser aquilo que diz ser. 

Artigo publicado no boletim informativo "Papa-Léguas" nº8 2020
dos Caminheiros da Gardunha

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