Caminho Inca - O primeiro dia no Trilho!

1ª etapa: do Km82 a Llulluchapampa
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Finalmente tinha chegado o grande dia! Saímos do nosso hotel bem cedo para a viagem de autocarro que haveria de nos levar ao início do Trilho. Após um belo-pequeno almoço nas margens do Urubamba, foi tempo de pôr as mochilas às costas e começar a caminhar. Machu Picchu estava a poucos dias de distância e as nossas expectativas eram elevadas mas depressa percebemos que, o que nos esperava, era muito melhor do que poderíamos ter imaginado.


Como combinado, pouco passava das 4h20 da manhã quando saímos do nosso hotel para embarcar no autocarro que já estava à nossa espera. A viagem até ao início do trilho iria ainda demorar 2h pelo que aproveitámos para dormir mais um pouco, acordando apenas quando mais alguém entrava no autocarro para se juntar ao grupo.

Finalmente estávamos a caminho do Caminho Inca mas a preparação tinha começado uns meses antes, mais precisamente em Maio. Uma vez que o acesso ao trilho é bastante controlado, sendo apenas permitida a entrada diária de 500 pessoas, 200 caminheiros e, os restantes, o staff das agências que obrigatoriamente devem acompanhar os primeiros, é necessário reservar as entradas com meses de antecedência.

Optámos pelos serviços da Enigma Peru (ver aqui) e não nos arrependemos. O serviço teve muita qualidade e todo o staff foi extremamente profissional e simpático, tanto os guias como os carregadores. Sim, porque há carregadores! Dado que não há acessos para veículos automóveis, todo o material necessário para os 4 dias (tendas, material de cozinha, alimentos, etc) é transportado às costas pelos carregadores e, acreditem, é impressionante vê-los a trabalhar e a correr montanha acima com aquela carga toda. Por uma taxa extra, os caminheiros podem entregar até 7kg de bagagem aos carregadores para não irem eles tão carregados. Nós, no entanto, optámos por transportar toda a nossa carga.


Últimos preparativos nas margens do Urubamba.

A última paragem do nosso autocarro foi em Ollantaytambo (recordam-se?) para deixar entrar os últimos carregadores. A partir daí o alcatrão terminou e fizemos os derradeiros 14 quilómetros numa estrada de terra batida até Piscacucho e à estação ferroviária do mítico Km82, onde se encontra o checkpoint de entrada no Trilho.

Assim que saímos do autocarro, enfrentámos pela primeira vez os vorazes mosquitos, que nos iriam perseguir ao longo da caminhada, o que nos obrigou logo ali a fazer uso do repelente (o nosso melhor amigo ao longo dos 4 dias!). Após os últimos preparativos, assim como um belo pequeno almoço servido ali à vista do rio Urubamba, dirigimos-nos finalmente ao checkpoint  onde tivemos de mostrar os bilhetes e os passaportes. Uma formalidade que não se aplica aos residentes locais que habitam em pequenas comunidades ao longo do trilho. Com o passaporte carimbado, franqueámos o portal da ponte sobre o Urubamba. A caminhada tinha começado!


O Trilho Inca


A foto da praxe, antes do checkpoint



Passaporte carimbado e o portal de início do trilho logo ali, a apenas meia dúzia de passos

Os primeiros quilómetros do trilho foram feitos junto à margem esquerda do Urubamba, numa paisagem algo árida. Pelo caminho, foi necessário desviarmos-nos de um grupo de cavalos que transportavam carga sozinhos para um destino incerto, primeiro na ida e mais tarde no regresso, já sem carga. Foi uma visão bem curiosa.

Mais à frente, Nilo, o nosso guia,  chamou-nos a atenção para um conjunto de ruínas que se avista do outro lado do rio. Trata-se do Tambo de Sallapunku, um dos muitos locais construídos ao longo da rede de estradas do Império Inca, onde os mensageiros que asseguravam a comunicação entre as diferentes partes do Império, eram revezados. O trabalho destes mensageiros tinha várias peculiaridades de que falarei num dos próximos artigos.

Ficámos também a saber que havia ali duas estradas Incas, uma em cada margem. A nossa levando a Machu Picchu, o caminho da peregrinação, e a outra que bifurcava uns quilómetros mais à frente, levando um ramo também para Machu Picchu enquanto o outro dava acesso à selva amazónica.

Enquanto admirávamos as ruínas, um comboio passou na linha férrea junto a estas, facto que mereceu um comentário encorajador por parte de Nilo: -"Aquilo é para turistas. Vocês são aventureiros!


Um Tambo, um local onde os mensageiros Incas, os Chaskis, passavam a sua mensagem em modo de estafeta ao mensageiro seguinte. Dado que os Incas não tinham sistema de escrita, a mensagem tinha de ser memorizada. 


Pouco depois do Tambo, chegámos a uma pequena comunidade agrícola onde os habitantes aproveitam o trilho para fazer algum dinheiro extra, vendendo suprimentos aos caminheiros, junto a telheiros em colmo que convidam a parar para descansar. Também disponibilizam a utilização de WCs por apenas 1 Sole (menos de 30 cêntimos).

Ali perto, um grupo de homens trabalhava afincadamente na produção de tijolos de adobe, amassando a terra e a palha com os pés, moldando os tijolos e pondo-os a secar ao Sol.


Trabalho de produção de tijolos de adobe. A terra, palha e água são amassados com os pés antes de serem moldados.

Depois de uns minutos de pausa para hidratar, retomámos a caminhada para enfrentar a primeira subida digna desse nome. Nesta altura já tínhamos assimilado a rotina a seguir aquando da ultrapassagem por carregadores (a quem deve ser sempre facilitada a passagem). À aproximação de carregadores, o último do grupo gritava "Porter!" e ia-se passando a palavra, encostando ao mesmo tempo, sempre para o lado da montanha, para o deixar passar.

O que não estávamos à espera era que, a meio de uma subida com traçado algo estreito, nos aparecessem em sentido contrário uns quantos cavalos carregados em passo apressado, seguidos de perto pelo dono que nos gritava "Cuidado amigos!". Tivemos de encostar o mais rapidamente possível para os deixar passar e não ganhámos para o susto.


A primeira subida. Consegue-se avistar um grupo de carregadores quase a chegar à plataforma. Com as recentes leis de protecção dos carregadores, cada um só pode transportar um máximo de 25kg mas, em situação de emergência, também transportam pessoas em dificuldades.


Vencida a subida, chegámos a o primeiro conjunto de ruínas do trilho. Trata-se de Wilkarakai , um local fortificado a partir do qual se domina a curva do vale do Urubamba e a foz do rio Kusichaka. Presume-se que tenha também sido um local onde os viajantes Incas, a caminho da cidade sagrada de Machu Picchu, poderiam parar para realizar rituais religiosos.

O que este sítio tem de fantástico é a vista que oferece para uma cidade situada no fundo do vale: Llactapata, um centro de produção agrícola com cerca de uma centena de construções e que terá sido o centro de um aglomerado populacional de aproximadamente 1.000 habitantes.

Entre o local onde nos encontrávamos e as ruínas de Llacatapata, ergue-se um monte com uma pequena plataforma no topo onde eram realizados sacrifícios. Era um local que se avistava facilmente de qualquer ponto do vale o que deixa supor a importância dos rituais aí levados a cabo.

Wilkarakai (do quechua Wilka="Neto", "da linhagem" + rakai ="ruína"), o primeiro conjunto de ruínas do trilho, oferece uma vista privilegiada para a cidade de Llactapata, na confluência dos rios Kusichaka e Urubamba. (Foto: Debby Brosko)


Um altar de sacrifícios no topo de um monte entre Wilkarakai e Llactapata. (Foto: Debby Brosko)




O nosso fantástico Nilo mostrando a cidade de Llactapata (do quechua "Llacta"=cidade + "pata"=local elevado, acima da margem do rio). Nesta cidade, agora ao abrigo de leis de protecção de património, foram encontradas mais de uma centena de construções


Ainda impressionados com aquela paisagem espectacular, e após as explicações pormenorizadas de Nilo, retomámos o caminho, descendo agora para a margem do rio Kusichaka. Já não faltava muito para o acampamento de Wayllabamba onde iríamos fazer a pausa para almoço.

Descida para o vale do Kusichaka. Conseguem ver o pequeno túmulo Inca na falésia?


O primeiro acampamento

Após alguns quilómetros, atravessámos o rio por uma ponte de madeira e avistámos de imediato a sinalética do local de acampamento. Sob ela, um dos membros da equipa Enigma agitava a bandeira para assinalar que ali seria o nosso local de paragem. 

Tinham sido uns primeiros quilómetros bem quentes e poeirentos mas a salva de palmas com que fomos recebidos por todos os membros do staff foi uma bela injecção de moral. Isso e o delicioso almoço que nos foi servido dentro da tenda de refeições.

A seguir ao almoço, durante a meia-hora de descanso que se lhe seguiu, estendemos-nos ao comprido na relva para relaxar e recuperar ao máximo as forças para a continuação da caminhada. Isto porque já sabíamos que nos esperava uma dura subida. Iríamos subir mais nos últimos 4km do que nos 11km que tínhamos feito até então, tudo isto agora acima dos 3.000 metros de altitude. Nada que uma bela chávena de chá de coca não ajudasse a superar.


A chegada a Wayllabamba, local de acampamento para almoço



A interminável escadaria!

Ao sinal dos nossos guias, e após a distribuição de água (fervida, claro) para encher os cantis, pusemos novamente as mochilas às costas e retomámos a caminhada, enquanto os carregadores ficavam para trás a desmontar o acampamento. Depressa pudemos experimentar uma subida íngreme, uma amostra daquilo que iríamos encontrar durante o resto do dia. Quem não pareceu muito incomodado foram os carregadores que, a dada altura e apesar de transportarem aquela carga toda às costas, nos ultrapassaram com facilidade.

À medida que subíamos, a vegetação que se concentrava inicialmente apenas no fundo do vale foi-se alargando cada vez mais. Lentamente, os arbustos foram dando lugar às árvores e a uma floresta lindíssima, facto que contribuiu para uma significativa queda de temperatura. Em contrapartida, o trilho transformou-se numa escadaria que parecia não ter fim.

Se o nosso grupo conseguiu apesar de tudo resistir às novas condições do trilho, a mesma sorte não teve outro grupo de cidadãos estado-unidenses que encontrámos no caminho e do qual alguns elementos estavam em nítidas dificuldades, levando-nos a partilhar água com eles e a "arrastá-los" connosco.

Foi já no início da floresta que vivemos um momento algo caricato. Quando menos esperávamos, dois lamas passaram a correr e em sentido descendente pelo nosso grupo, obrigado mais uma vez a improvisar uma escapatória e alguns mesmos a deitarem-se na encosta. Logo a seguir, e por ordem de altura, 3 crianças passaram igualmente por nós em perseguição aos lamas, sendo elas próprias perseguidas pela mãe, que não parecia muito satisfeita. Refeitos do susto, a risada foi geral.



O início da subida com alguns degraus só para aquecer. O pior viria depois.



Um bem-vindo momento de pausa, um pouco antes de entrarmos na floresta.



À medida que subimos, o trilho aproximava-se cada vez mais da floresta -e que floresta!-. Na vegetação luxuriante, destacavam-se as bromélias avermelhadas a crescer nas árvores. Segundo a explicação de Nilo, é costume no Peru usar-se as flores das bromélias para enfeitas as árvores de Natal: -"Venham ao Peru no Natal. É lindo!" rematou.





Já dentro da floresta, em plena escadaria, o autor deste blogue passando por uma cidadã estado-unidense de outro grupo, em nítidas dificuldades. Logo a seguir estava o guia desse grupo já com todas as mochilas do grupo às costas, tentando incentivá-los a continuar. Quando lhes perguntámos porque se tinham metido nesta aventura responderam com indignação -"Ficámos a saber deste trilho num blogue e lá diziam que era fácil!"


A chegada ao acampamento

Foi com o Sol já posto atrás das montanhas que alcançámos finalmente o acampamento onde iríamos passar a noite e onde já tudo estava pronto para nos receber. Mais uma vez fomos acolhidos com palmas e, sinal do espírito de grupo que entretanto se foi criando, recebemos da mesma forma os restantes membros da equipa à medida que iam chegando.

Vista parcial do acampamento com a tenda de refeições em primeiro plano. À chegada, tínhamos uma bacia com água e sabonete à porta de cada tenda e, antes de jantar, pudemos descontrair com um pequeno lanche com cacau quente ou chá (mas não de coca, que à noite não se recomenda).


Depois de nos terem sido atribuídas as tendas onde iríamos dormir, foi-nos servido um pequeno lanche onde o café e o chá caíram mesmo bem, para não falar das pipocas! À hora do jantar, mais uma vez delicioso, a conversa centrou-se sobre a proeza que tinha sido vencer aquela subida e a satisfação (tal como o cansaço) era indisfarçável. Toni, o nosso outro guia, lançou o briefing para o dia seguinte e também começou a revelar o seu apurado sentido de humor. -"Amanhã vamos continuar a subir até à Passagem da Mulher Morta". O nome intrigou-nos e levou-nos a perguntar o porquê do nome ao que, sem hesitar, Toni respondeu -"Ah, isso tem a ver com a primeira vez em que fui guia."

Foi pois um serão bem animado até à hora de ir dormir, não sem que antes nos fossem dadas algumas recomendações extra, relativas ao frio que se ia fazer sentir nessa noite, tal como o retirar todas as pilhas e baterias dos equipamentos electrónicos e guardá-los junto ao nosso corpo durante a noite para o frio não os descarregar.

Apesar de ansiosos pelo dia seguinte, adormecemos facilmente, vencidos pelo cansaço da subida. O dia seguinte seria igualmente exigente mas também seria memorável.


As tendas onde iríamos dormir. O nosso "chalet" era o segundo a contar da esquerda e, como podem imaginar, tinha uma vista magnífica.


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A seguir:

Da Mulher Morta ao santuário Inca de Sayacmarca

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