Dos grifos à lenda do Rei Vamba

A Rota das Invasões, o percurso de Pequena Rota nº1 (PR1) de Vila Velha de Ródão, é um trilho com vários motivos de interesse que já há algum tempo tínhamos vontade de percorrer. Dado que na última Sexta-feira as condições climatéricas haviam sido adversas, decidimos aproveitar o penúltimo dia do ano para pôr as mochilas às costas e fechar 2013 com uma bela caminhada.

O trilho não é muito extenso, trata-se de um circuito com 8km, com uma ou outra subida (e descida) algo acentuada. Iniciámos o percurso ao contrário do aconselhado, ou seja, no sentido dos ponteiros do relógio, começando junto à Casa de Artes e Cultura do Tejo.


O início do trilho foi bastante fácil, tendo a grande vantagem de nos oferecer uma vista frontal das magníficas Portas do Ródão, uma passagem que o Tejo rasgou num maciço de quartzite e que terão sido outrora ainda mais impressionantes (ver aqui). Aqui e ali, a erosão desgastou o trilho pelo que convém ter algum cuidado.

À vista do geomonumento das Portas do Ródão e, mais acima e à direita, da torre de menagem do "Castelo do Rei Vamba (ou Wamba)".

Mais à frente, junto a uma ribeira, o trilho começa a subir. A falta de sinalização visível numa bifurcação levou-nos a ter de prosseguir por intuição mas, se o caminho que escolhemos não era pelos vistos o correcto e se a subida era aqui e ali extremamente acentuada e com vegetação a dificultar a caminhada, não é menos certo que isso nos proporcionou uma belíssima experiência de proximidade com os grifos que por ali voavam em grande número. Convém também dizer que esta é a maior colónia de grifos de Portugal, pelo menos a que fica exclusivamente em território nacional.

Os grifos a sobrevoar a parte Norte das Portas do Ródão.

O entusiasmo da subida ao encontro dos grifos é por demais evidente no rosto dos caminhantes, embora alguns tenham deixado pulmão e meio pelo caminho.

A dada altura chegámos finalmente ao nível dos grifos que voavam sobre as Portas. A sensação de ter aquelas aves majestosas a voar ali, tanto acima como abaixo de nós, é de uma liberdade total que faz querer ficar horas e horas a admirar aqueles círculos silenciosos desenhados no céu. Enquanto admirava o voo dos grifos, veio-me à memória esta música (ver aqui).




Deixando os grifos para trás chegámos finalmente ao "Castelo do Rei Vamba", o rei visigodo que a lenda liga a este local.

A lenda do Rei Vamba

Embora tenha ouvido outras versões, no local a lenda que se conta é que a mulher do rei Vamba se apaixonou por um rei mouro, fugindo um dia para os braços deste. Ora, sem explicação para o desaparecimento da sua esposa, Vamba disfarçou-se de mendigo e foi procurá-la em território inimigo, do outro lado do rio Tejo, tendo finalmente acabado por encontrá-la. Esta, traiçoeiramente, fingiu ser prisioneira do rei mouro e atraiu Vamba para uma armadilha, tendo sido capturado pelos "infiéis".

Na iminência de ser executado, expressou como último pedido, que o deixassem tocar a sua "corna", a trompa feita com um chifre que transportava. Do outro lado do rio, os cavaleiros de Vamba ouviram o chamamento do seu rei e precipitaram-se em seu socorro, tendo libertado o rei das mãos dos mouros, trazendo-o de volta para a segurança do Castelo das Portas do Ródão, assim como a sua mulher, agora como prisioneira.

Acusada de traição, foi condenada à morte, tendo sido atirada encosta abaixo mas não sem antes ter proferido uma terrível maldição:

"Adeus Ródão, adeus Ródão
Cercada de muita murta
E terra de muita puta.
Não terás mulheres honradas
Nem cavalos regalados
Nem padres Coroados! "

Diz-se que onde passou o seu fatal percurso, nunca mais cresceu nada.


No entanto, não há ligação factual entre Vamba e a fortificação, que também nem terá tido funções de castelo. Terá pelo contrário sido aquilo que se pode designar de Atalaia, ou torre de vigia, sendo cercada por uma pequena muralha circular e tendo outrora um fosso a toda a volta. Podendo ter origem anterior, a torre actual é no entanto de fundação templária (século XII), existindo sobre a entrada original da torre (situada a meia altura) um símbolo da Ordem bem visível.

Esta torre integrava-se na política de controlo de fronteiras dos nossos primeiros reis, no caso particular da Linha do Tejo, que durante largo tempo foi a fronteira do Reino de Portugal. Além do Tejo, residia o inimigo infiel que era necessário controlar. No entanto, esta também foi durante séculos uma via de entrada privilegiada no reino, rumo à capital, que era necessário controlar e a torre terá permanecido em funções provavelmente até ao século XIX, articulada com outras fortificações por ali existentes.

Da torre, avista-se uma extensa paisagem no outro lado do Tejo mas há um aspecto que, logo na margem esquerda, chama a atenção. Trata-se do Conhal do Arneiro, o vestígio remanescente da exploração de ouro pelos romanos, que nivelaram um monte que ali existia para extrair o precioso mineral, deixando a paisagem cheia de montes de pedra solta, as "conheiras".

Conhal do Arneiro, na margem esquerda do Tejo

Vista alargada do Conhal do Arneiro. Conseguem imaginar a elevação que ali existia antes da chegada dos romanos?


Para lá das Portas do Ródão, Tejo prossegue serpenteando para Sudoeste. Junto a ele avista-se a linha ferroviária da Beira Baixa, que tão mal tratada tem sido a partir da capital, que não se avista daqui.

As Baterias

De regresso ao Cabeço da Achada, começando a descida de regresso a Vila Velha de Ródão a partir do marco geodésico, o percurso passa pelas Baterias, antigas posições de artilharia do século XVIII, que aqui foram construídas para controlar esta zona estratégica de vital importância.

O percurso passa por três baterias: a da Torre Velha, a das "Batarias" e a da Achada, embora existam várias outras ao longo da Serra das Talhadas, controlando pontos de passagem na mesma.

Bateria da Torre Velha, no alto do Cabeço da Achada. A visibilidade está actualmente muito limitada pela vegetação.

Bateria das "Batarias", com muros construídos em pedra seca, isto é, sem argamassa ou qualquer outro tipo de ligante. 

Bateria da Achada. Trata-se da bateria mais bem conservada e que foi recentemente alvo de investigações que descobriram -imagine-se!- vestígios pré-históricos no local. Esta bateria controlava o porto do Tejo, onde a travessia era feita em barcas.

O trilho terminou pouco depois da Bateria da Achada, onde deveríamos ter iniciado o mesmo. Foi só então, no painel de informação que supostamente marca o início trilho, que nos deparámos com este aviso:


Resta pois manifestar a esperança que os trabalho de manutenção abranjam também a revisão da sinalização que, em determinados pontos, está em mau estado ou pouco visível. É sem dúvida um percurso que vale a pena.

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