Crónicas Canárias VI - Pico do Teide, um dia num cenário de outro Mundo!


Como referi no artigo anterior sobre o Parque Nacional de las Cañadas del Teide (recordar aqui), a visita ao Teide foi o ponto alto da estadia nas Canárias, tanto no sentido figurativo como no sentido literal. Trata-se do ponto mais elevado de Espanha, erguendo-se a 3718m de altitude e, segundo dizem, ergue-se a 7.500m acima do fundo marinho, sendo o 3º maior vulcão do Mundo.

Os guanches, os primitivos habitantes da ilha de Tenerife (lá iremos num próximo artigo), acreditavam que o Teide, ao qual chamavam Echeyde, era o domínio do deus maligno Guayota, que ocasionalmente se manifestava soltando os poderes do seu reino no mundo dos homens. A memória das erupções do Teide está bem presente na lenda guanche que fala do dia em que Guayota capturou, e prendeu dentro do Echeyde, o deus Magec (o Sol), tendo este sido salvo pelo deus supremo Achamán, após as orações suplicantes dos guanches. É fácil compreender o fascínio que esta impressionante montanha terá gerado nos habitantes da ilha, muito semelhante, embora desprovida de sentido religioso, aos milhares de visitantes que visitam o local anualmente. 

A nossa visita ao Teide divide-se em dois momentos. No primeiro deixámos o carro a 2.000m de altitude, altitude média da grande cratera do Parque, e subimos a pé pela encosta da Montanha Branca até aos 3.000m. O caminho de regresso acabou por se fazer já em plena noite e com temperaturas muito baixas, numa experiência que foi bastante interessante que desenvolveu em nós uma especial simpatia solidária para com os produtos alimentares ultracongelados.

O trilho nº7  percorrido em todo o seu esplendor (descendente)! 


Na segunda vez, optámos por subir pelo teleférico até ao topo do Teide e descer depois pela sua encosta até à Montanha Branca e daí regressando pelo caminho que já conhecíamos. Bom, na verdade não foi bem ao topo uma vez que para cumprir o percurso entre a estação de topo do teleférico, a 3.500m de altitude e o cume do Teide, é necessário solicitar autorização prévia, já que o número de acessos diários permitidos é limitado (há vigilantes no local). Infelizmente, quando tentámos pedir autorização, uma semana antes da nossa ida, já estava tudo reservado para essa semana e para as duas seguintes! 

A autorização pode ser pedida gratuitamente no site da Central de Reservas do Organismo Autónomo de Parques Nacionais de Espanha, no qual podem também encontrar um mapa dos trilhos do Parque Nacional do Teide

Estação de base do teleférico a cerca de 2.300m de altitude


Um aspecto da encosta do Teide que se avista a partir do teleférico, já muito perto do topo


Da estação de topo do teleférico, e apesar da nebulosidade que limitava bastante o alcance da visão, a paisagem não deixou de ser espectacular. O cenário imediato é também impressionante, quase parecendo que de um momento para o outro fomos transportados para outro Mundo, havendo a todo o momento a possibilidade de nos depararmos com a sonda Curiosity, ou um ser extra-terrestre segurando um cartaz com os dizeres "Vai estudar... Relvas!".

A temperatura é também um choque: 25º na estação de base do teleférico para 9º no topo, com um ventinho assobiante e cortante! Desta vez, contudo, estávamos preparados. Curioso foi também experimentar na pele o facto de o cansaço de esforço ser ligeiramente maior a esta altitude.

Vista para a parte alta da grande cratera do Parque, com a Montanha Branca em evidência


Diferentes níveis de arrefecimento e tipos de erupção criaram materiais de diferentes cores e constituição


Mais cores...


Foi frustrante ver o limite da pequena cratera do topo do Teide a apenas 400m de distância...


Como já referi em artigos anteriores, os vulcões da ilha não estão extintos mas apenas inactivos e um dos sinais disso mesmo são as fumarolas que se encontram no topo e ao seu redor. Estas fumarolas são provocadas pela infiltração da água da chuva que, pelo calor do interior da montanha, evapora misturando-se com os gases do interior da mesma. É por isso que muitas das fumarolas exalam também um tremendo cheiro a enxofre, que acaba também por ficar depositado à volta delas.

Fumarolas sulfurosas


É pena a Internet ainda não permitir partilhar o cheiro destas fumarolas. Para quem não conhece as propriedades odoríferas do enxofre, o cheiro oscila entre o de ovos cozidos e o de uma indiscrição flatulenta


A partir da saída do teleférico, percorremos o trilho (nº12) que leva ao miradouro do Pico Viejo, que embora tenha esse nome, é na verdade mais novo que o Teide. O trilho, como aliás acontece em todos os que percorremos no Parque, está muito bem construído e não menos bem conservado, integrando-se perfeitamente na paisagem.


A cor escura de uma antiga escorrência de lava contrasta com os mineirais amarelados em fundo

A caldeira do Pico Viejo impressiona pelas suas dimensões. No seu auge, esta caldeira era um gigantesco lago de lava relativamente estável. O desmoronar de uma das suas paredes acabou por esvaziar este lago, embora parte da sua superfície solidificada tenha permanecido e seja visível à esquerda da cratera. 

O Pico Viejo!

Regressando em sentido inverso, e mais uma vez fingindo um total desinteresse pelo trilho que levava ao topo, embrenhámo-nos no trilho que leva ao miradouro da Fortaleza. 


Rumo ao miradouro da Fortaleza!

Ao longo do percurso, passámos por vários antigos corredores de lava, caracterizados pelas suas paredes mais altas em relação ao interior. Isto deve-se ao facto de as margens do rio de lava terem solidificado e, quando a emissão da lava no vulcão cessou, a lava, ainda em estado líquido no interior deste corredor, ter continuado a correr rumo à base do monte, esvaziando-o.

Um corredor de lava

Já agora, convém também esclarecer que existem dois tipos de corrimentos de lava. O primeiro é o tipo "A a", que é a que mais por aqui se encontra, e que se caracteriza pela sua solidificação irregular e cortante, em forma de escória, devido à rápida perda de gases. O outro tipo é o tipo dito... (deixem-me consultar a cábula num instante)... "Pahoehoe", que forma uma superfície lisa ao solidificar. 

Formação lávica 

Pormenor do trilho rumo ao miradouro da Fortaleza

O miradouro da Fortaleza, uma enorme arriba que se avista no horizonte, permite também uma vista privilegiada para a parte Norte de Tenerife. À volta do miradouro é possível encontrar várias fumarolas, estas sem cheiro a enxofre.

A "Fortaleza", uma escorrência de lava e algumas fumarolas.

Sim, exactamente, outra fumarola!


Momento em que uma pessoa não identificada é surpreendida utilizando a fumarola da foto anterior para contrariar os efeitos da temperatura ambiente


A partir do miradouro começa (ou acaba, conforme a perspectiva) o trilho nº7, trilho que liga o topo do Teide à estrada alcatroada que atravessa a grande cratera do Parque Nacional, passando pela Montanha Branca. Esta parte do percurso é "especial", impressionando pela paisagem e, sobretudo pelo silêncio que, longe das pessoas que chegam e partem pelo teleférico, chega a ser esmagador. 


O trilho!

Um indivíduo não identificado no trilho

A 3260m encontra-se o Refúgio Altavista, o único dentro do Parque Nacional. Trata-se de um local de paragem privilegiada para quem sobe ao Teide, especialmente para quem quer assistir ao nascer do Sol no topo do Teide, devendo para isso pernoitar no refúgio, mediante reserva prévia, para prosseguir de madrugada em direcção ao pico.

No nosso caso, em sentido inverso, aproveitámos para almoçar no alpendre do refúgio, antes de prosseguir rumo à Montanha Branca.

À vista do refúgio, com a Montanha Branca como fundo


Momento em que o trilho deixa de seguir pela escorrência de lava para passar a seguir pelos piroclastos


Um olhar para trás...

Aproximação à Montanha Branca (embora seja mais alaranjada), já com a parte superior da parede da grande cratera à vista

O raro verde como fronteira entre o negro da lava (rica em obsidiana) e os tons acastanhados dos piroclastos

A par do basalto, a lava do Teide é riquíssima em obsidiana, material que, a par do sílex, era uma matéria prima privilegiada para o fabrico de armas e ferramentas pelos guanches. Ambos de cor negra, ajudam a que, na zona da Montanha Branca,  a lava do Teide contraste com as cores claras da pedra-pomes que cobre maior parte da paisagem.

Outro fenómeno geológico interessante que aqui se verifica é o dos chamados "Huevos del Teide", os Ovos do Teide, enormes bolas de lava que nasceram por um processo semelhante ao de uma bola de neve. Pedaços de lava solidificaram em zonas superior das escorrências e começaram a rolar, acumulando lava durante o seu percurso e, deste modo, tornando-se maiores enquanto aumentavam de velocidade. Acabaram por ultrapassar o limite da escorrência, detendo-se em pleno campo de pedra-pomes da Montanha Branca. Alguns exemplares chegam a ter 4 a 5m de diâmetro!


Escorrência de lava medieval do Teide, nas encostas da Montanha Branca


Um dos Ovos do Teide não resistiu ao impacto da chegada

Ovos do Teide bastante afastados da escorrência de lava que lhes deu origem. O trilho serpenteia entre eles.



Um pequeno exemplar com cerca de 2,5m de diâmetro

A Montanha Branca terá sido criada por uma erupção explosiva, dado que se trata de um domo vulcânico arredondado. Eventualmente, uma nuvem piroclástica, a manifestação mais mortífera de um vulcão, terá coberto toda a paisagem de pedra-pomes. Para terem uma ideia, fica aqui um vídeo sobre o assunto, relativo ao monte de Santa Helena, nas Caraíbas:




Pormenor do solo da encosta da Montanha Branca, coberto de piroclastos


Uma escorrência de lava sobre uma encosta de pedra pomes

Vista para o Norte, com a "Fortaleza" em destaque

À vista da extensão da dispersão da pedra-pomes, uma dúvida assaltou a minha mente: quanta epiderme morta seria possível raspar com todo este material?

Fim da Montanha Branca

Último segmento do trilho, em aproximação à estrada


No outro lado do pequeno vale dá para imaginar a lava de elevada viscosidade que deu origem à elevação que se avista. Ao longe vislumbra-se o Observatório Astronómico do Teide.

Uma paisagem digna do planeta Marte


Bifurcação do trilho, levando o da foto a percorrer a planície rumo à Fortaleza


A descrição que me ocorre para esta foto é "Anita no Planeta Marte"

O último domo antes da estrada...


... reservava-nos uma surpresa! Dois exemplares de muflão, espécie introduzida no Parque durante os anos de 1970. Fica a dúvida: o que comem estes animais?! 


Cansados mas de "alma lavada" chegámos finalmente ao fim do percurso, depois de 5 horas passadas no Teide. O que vimos mas, principalmente, o que ficou por ver, deixaram-nos cheios de vontade de voltar aqui. Aquele percurso entre o Pico Velho e o Pico do Teide não ficará certamente por fazer, nem o assistir do nascer do Sol no topo deste último. Quem quer vir? 



Foto obsidiana: El Universo

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