São Filipe, o Decapitado

Agosto, é o mês das festas e do regresso da massa emigrante na diáspora. Onde houver pelo menos duas casas juntas, é garantido que haverá uma festa, promovida a rigor com um cartaz que promete famosos e brilhantes organistas e acordeonistas de que ninguém ouviu falar, isto para não falar das inúmeras quermesses com fabulosos brindes. O superlativo é a nota dominante dos cartazes de fundo em "dégradé" que percorre todas as cores observáveis a olho nu.

Com o tempo, muitas das tradições destas festas populares se perderam, inclusive o costume de se leiloar o direito a transportar os andores com a efígies dos santos da terra, durante a obrigatória procissão. Tivesse esta tradição terminado mais cedo e o povo da aldeia de Paradanta teria sido poupado a um episódio constrangedor que envolveu a efígie de São Filipe, a família Filipe, e um emigrante atrevidote que não teve respeito pelo status quo.



A aldeia de Paradanta, terra notável que produziu gente de elevado calibre (não estou a dizer isto por saber que muitos paradantenses, donos de um físico algo intimidatório,  lêem o Blog do Katano), teve até há alguns anos atrás direito à sua festa religiosa. Ora, uma das efígies que compunham a procissão associada à festa era precisamente a efígie de São Filipe, oferecida à capela pela família Filipe local. Por inerência, instituiu-se a regra de que à família Filipe cabia transportar a efígie de São Filipe e, exactamente por isso, ninguém licitava nesta imagem a não ser a própria família Filipe que, assim, ganhava logo à primeira licitação.

Ora um belo dia, um emigrante que se encontrava por ali de férias decidiu contrariar o que estava instituído, tendo decidido que a família Filipe não levaria o santo por uma bagatela. Assim, mal começou o leilão que antecedia a procissão, começou a disputar com os Filipe o direito a transportar o andor do São Filipe. Conta quem estava por lá que, a dada altura, os valores começaram a ser impressionantes para aquilo que era habitual o que inclusive acabou por desmotivar o atrevido emigrante, tendo este desistido de licitar pois já não tinha dinheiro suficiente consigo.

Furiosos por tamanha e inesperada despesa, os Filipe entraram na capela e ergueram o andor de São Filipe, dirigindo-se em passo acelerado para a saída da capela. Irados que estavam com aquela insolente falta de respeito pelas regras instituídas, esqueceram os próprios Filipe outra das regras elementares da procissão da Paradanta: a necessidade de baixarem o andor ao passar pela porta da capela, já que esta não era suficientemente alta para permitir a livre passagem dos andores. 

Não só a família Filipe mas também todos os presentes devem ter gelado quando se ouviu o som inconfundível do embate da cabeça de São Filipe e esta rolou com santidade pelo andor, despedaçando-se no chão.



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