Como previsto, o dia de ontem foi dedicado a uma caminhada até ao Cabeço das Fráguas, no limite entre o Concelho da Guarda e o Concelho de Sabugal, concretizando finalmente um regresso já muito ansiado a esse fantástico local.
A vertente escolhida para abordar o monte foi a vertente Oeste, não necessariamente fácil como a vertente Norte, caracterizando-se por uma forte pendente que, aliada ao Sol e ao calor que se faziam sentir, tornou o percurso algo difícil.
Têm por isso a minha simpatia os que, apesar de numa primeira instância se mostraram interessados em participar, terem depois mudado de ideias perante o percurso.
Benespera
Antes de iniciarmos a caminhada, houve tempo para uma pequena paragem na aldeia de Benespera. Agora subjugada pela A23, a aldeia vive na expectativa do regresso da ligação ferroviária que, até há algum tempo atrás, já só se fazia por automotora, tendo em conta o estado em que se encontrava a linha férrea.
Fica a memória romântica do actual apeadeiro a partir do qual se tem uma vista muito interessante sobre a aldeia, apesar do “corte” da A23 na paisagem.
Digna de registo é a impressionante ponte ferroviária sobranceira à aldeia, que ainda ostenta a data da sua construção: 1890.
O Cabeço das Fráguas
Com 1015 m de altitude, o Cabeço das Fráguas é um enorme bloco granítico que se avista a quilómetros de distância, destacando-se pela sua forma imponente. Não há caminhos para o topo, pelo que o acesso é algo difícil, embora na vertente Norte a inclinação seja mais suave.
Não tem vegetação a não ser vegetação rasteira e arbustiva o que dificulta ainda mais a subida, nesta altura do ano, pela ausência de sombra.
No entanto, todas as dificuldades da subida se esfumam perante a vista que se alcança ao chegar ao topo, sendo possível observar o território que se estende da Serra da Estrela até à raia espanhola.
Vídeo panorâmico
Clique e arraste para ver a paisagem a 360º
Para visualizar, é necessário ter o Apple Quicktime. Infelizmente parece só funcionar em Internet Explorer.
Ao longe, a Serra da Gardunha, a Maúnça e a Estrela, sendo ainda possível avistar Belmonte e, mais atrás, a Covilhã.
Para Sudeste, o Sabugal e a Serra da Malcata.
Um olhar sobre a raia em direcção a Espanha
O monte faz bem jus ao seu nome. O granito está omnipresente em caos de blocos que a natureza esculpiu aqui e ali em formas curiosas. Aqui tudo se viu. Desde um coelho, até um pinguim passando por um dos robôs maléficos do Exército Dourado do filme Hellboy 2. A criatividade na interpretação terá sido ajudada sem dúvida pela incidência solar.
O Castro e o Santuário
Mais que pela paisagem que do seu topo se avista, o Cabeço das Fráguas é conhecido pelos vestígios arqueológicos que nele se encontram.
No seu cume, encontram-se vestígios de ocupação humana do século VIII a.C. até ao século I d.C., altura em que o povoado que aqui existia terá sido abandonado.
Derrube de construções no interior do perímetro muralhado.
No centro deste povoado, com uma linha de muralhas exteriores e uma mais interior, situava-se um importante santuário ao qual deveriam afluir ciclicamente os habitantes da região.
A actividade religiosa desse santuário está aliás atestada por uma inscrição muito peculiar, gravada numa laje, a “Laje da Moura”, junto a um conjunto de construções, posta à luz do dia pelos trabalhos arqueológicos, que poderiam pertencer ao templo.
Aspecto dos trabalhos arqueológicos. As estruturas descobertas, divisões circulares e rectangulares de várias épocas, foram protegidas com geotêxtil para impedir a sua degradação durante o período invernal.
Esta inscrição evoca o sacrifício de vários animais a diferentes deuses, de diferentes hierarquias, sendo o seu interesse ainda maior pelo facto de conter a língua que se convencionou chamar de lusitana, escrita em caracteres latinos.
Assim, aos deuses Trebopala, Labbo, Iccona Loiminna, Trebarune e Reva foram consagrados respectivamente uma ovelha, um porco, uma ovelha prenha, uma ovelha “de qualidade” e um touro.
É curiosa a similaridade de termos desta língua pré-romana com o nosso actual português, “TAVROM” para Touro e “PORCOM” para Porco.
Já depois de termos deixado o Cabeço para trás, devidamente dotados de uma nova coloração ao estilo “lagosta”, impôs-se uma visita ao Museu da Guarda para visitar a exposição, que hoje termina, dedicada aos resultados das investigações e aos achados no Cabeço das Fráguas.
No centro da sala encontrava-se a reprodução da laje com a inscrição, feita através de levantamento por sistema laser.
Não podia acabar sem o insólito do costume…
Estando no Cabeço das Fráguas, aproveitámos para nos dedicarmos ao Geocaching, tendo encontrado a cache local em questão de minutos.
A caixa continha vários objectos, o logbook e um panfleto que contava a história do local e continha uma descrição da inscrição rupestre, algo digno de aplauso visto que traz valor acrescentado à visita.
O pior foi quando, ao abrir o panfleto, verificámos que este estava ilustrado com uma fotografia bem sugestiva do Cabeço das Fráguas… que havia sido tirada por mim numa das minhas visitas anteriores. Exactamente esta foto.
Embora não tenham tido a delicadeza de mencionar a autoria da foto, pelo menos há que louvar o bom gosto de quem elaborou o panfleto.
Imagem da inscrição retirada daqui
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