O local e data de nascimento de Gil Vicente constituem um mistério que tem dado azo a muita discussão com alguma polémica à mistura. Certo é que várias localidades se assumem como terra natal do dramaturgo: Barcelos, Guimarães, Lisboa, Évora... Há também quem defenda que Gil Vicente era beirão, tese motivada pela presença de inúmeras referências toponímicas nas suas obras, assim como pelo modo de falar das personagens.
Há ainda a questão de Gil Vicente ter sido o mesmo Gil Vicente, ourives, que construiu a famosa Custódia de Belém, tese que daria alguma força a Guimarães, tradicional terra de joalheiros. A dúvida essa subsiste.
Já em relação à data de nascimento a mais aceite é de 1465, isto embora também sejam colocados como hipóteses os anos de 1452, 60, 67, 70 e 75.
Houve ainda quem, pelas referências ao Fundão no Auto da Festa, um auto muito particular constituído por uma amálgama desconexa de pequenas histórias, quisesse apontar o Fundão como terra natal do pai do teatro português. Essa tese contudo não tem muita capacidade de sustentação uma vez que se baseia apenas nessas referências.
Esta introdução, serve apenas para contextualizar as informações que obtive no texto, da autoria de José Hermano Saraiva, que descobri durante as minhas investigações no arquivo do Jornal do Fundão para o meu recente projecto de exposição. Neste texto, datado de 1976, o conhecido historiador introduz uma hipótese que, na época, abalou alguns dogmas sobre aquele que é conhecido como o Pai do Teatro Português.
O desterro de Gil Vicente
Corria o ano de 1531 quando nasceu o Infante D.Manuel. Pretendendo celebrar este acontecimento, o embaixador português na corte do Imperador Carlos V, que se encontrava em Antuérpia , resolveu organizar uma festa.
Para dar mais brilho aos festejos, decidiu-se encenar uma peça de Gil Vicente usando como actores os marinheiros portugueses então estacionados em Antuérpia. Para o guarda-roupa fez-se uma recolha voluntária entre os membros da tripulação faltando contudo uma peça essencial: um barrete de Cardeal. Contudo, o empréstimo dessa peça acabaria por ser facultado pelo Cardeal Campeggi, representante de Roma na corte de Carlos V.
A escolha da peça de teatro é que acabou por não ser a mais feliz uma vez que denunciava o tráfico de bulas e indulgências da Igreja Católica. Tanto mais grave era que, na altura, a Alemanha "fervia" pelo crescimento do Protestantismo de Lutero, doutrina na qual se exaltava o descrédito em que a Igreja Católica havia caído por essa venda de bulas, indulgências e relíquias pela Europa fora. (Muito do dinheiro recolhido dessa forma foi aplicado na construção da Catedral de S.Pedro no Vaticano).
Se a peça de teatro foi um sucesso, por outro lado a heresia mal recebida por alguns católicos mais fanáticos depressa chegou aos ouvidos do Papa. Não havendo qualquer registo de tenha sido levantado um processo por heresia contra Gil Vicente, o certo é que, entre 1533 e 1536, ele simplesmente "desaparece" da corte portuguesa.
Apoiando-se na Floresta de Enganos, obra que Gil Vicente escreveu em 1536, e no Auto da Cananeia, José Hermano Saraiva interpreta na primeira mensagens subtis em que o dramaturgo denuncia ao povo o que lhe aconteceu e, na segunda, interpreta um apelo desesperado ao rei D.João III, seu protector, que o liberte de uma reclusão à qual havia sido condenado. Supõe-se assim que Gil Vicente terá estado encarcerado durante 2 anos, longe de tudo e todos. A questão que se coloca agora é onde esteve ele encarcerado.
Partindo do princípio que Gil Vicente foi julgado pela Inquisição e condenado à reclusão em Convento, a pena mais comum para quem conseguia escapar à fogueira nos delitos de heresia, então ele foi julgado pela Inquisição e por Frei Diogo da Silva, primeiro inquisidor-mor de Portugal (*) e... natural de Aldeia Nova do Cabo, juntinho ao Fundão. Frei Diogo da Silva, conhecido pela sua benignidade pouco conivente com o cargo que supostamente ocupava, tinha também a particularidade de ser fundador do Convento de Nossa Senhora do Seixo no Fundão.
Bibliografia
Há ainda a questão de Gil Vicente ter sido o mesmo Gil Vicente, ourives, que construiu a famosa Custódia de Belém, tese que daria alguma força a Guimarães, tradicional terra de joalheiros. A dúvida essa subsiste.
Já em relação à data de nascimento a mais aceite é de 1465, isto embora também sejam colocados como hipóteses os anos de 1452, 60, 67, 70 e 75.
Houve ainda quem, pelas referências ao Fundão no Auto da Festa, um auto muito particular constituído por uma amálgama desconexa de pequenas histórias, quisesse apontar o Fundão como terra natal do pai do teatro português. Essa tese contudo não tem muita capacidade de sustentação uma vez que se baseia apenas nessas referências.
Esta introdução, serve apenas para contextualizar as informações que obtive no texto, da autoria de José Hermano Saraiva, que descobri durante as minhas investigações no arquivo do Jornal do Fundão para o meu recente projecto de exposição. Neste texto, datado de 1976, o conhecido historiador introduz uma hipótese que, na época, abalou alguns dogmas sobre aquele que é conhecido como o Pai do Teatro Português.
O desterro de Gil Vicente
Corria o ano de 1531 quando nasceu o Infante D.Manuel. Pretendendo celebrar este acontecimento, o embaixador português na corte do Imperador Carlos V, que se encontrava em Antuérpia , resolveu organizar uma festa.
Para dar mais brilho aos festejos, decidiu-se encenar uma peça de Gil Vicente usando como actores os marinheiros portugueses então estacionados em Antuérpia. Para o guarda-roupa fez-se uma recolha voluntária entre os membros da tripulação faltando contudo uma peça essencial: um barrete de Cardeal. Contudo, o empréstimo dessa peça acabaria por ser facultado pelo Cardeal Campeggi, representante de Roma na corte de Carlos V.
A escolha da peça de teatro é que acabou por não ser a mais feliz uma vez que denunciava o tráfico de bulas e indulgências da Igreja Católica. Tanto mais grave era que, na altura, a Alemanha "fervia" pelo crescimento do Protestantismo de Lutero, doutrina na qual se exaltava o descrédito em que a Igreja Católica havia caído por essa venda de bulas, indulgências e relíquias pela Europa fora. (Muito do dinheiro recolhido dessa forma foi aplicado na construção da Catedral de S.Pedro no Vaticano).
Se a peça de teatro foi um sucesso, por outro lado a heresia mal recebida por alguns católicos mais fanáticos depressa chegou aos ouvidos do Papa. Não havendo qualquer registo de tenha sido levantado um processo por heresia contra Gil Vicente, o certo é que, entre 1533 e 1536, ele simplesmente "desaparece" da corte portuguesa.
Apoiando-se na Floresta de Enganos, obra que Gil Vicente escreveu em 1536, e no Auto da Cananeia, José Hermano Saraiva interpreta na primeira mensagens subtis em que o dramaturgo denuncia ao povo o que lhe aconteceu e, na segunda, interpreta um apelo desesperado ao rei D.João III, seu protector, que o liberte de uma reclusão à qual havia sido condenado. Supõe-se assim que Gil Vicente terá estado encarcerado durante 2 anos, longe de tudo e todos. A questão que se coloca agora é onde esteve ele encarcerado.
Partindo do princípio que Gil Vicente foi julgado pela Inquisição e condenado à reclusão em Convento, a pena mais comum para quem conseguia escapar à fogueira nos delitos de heresia, então ele foi julgado pela Inquisição e por Frei Diogo da Silva, primeiro inquisidor-mor de Portugal (*) e... natural de Aldeia Nova do Cabo, juntinho ao Fundão. Frei Diogo da Silva, conhecido pela sua benignidade pouco conivente com o cargo que supostamente ocupava, tinha também a particularidade de ser fundador do Convento de Nossa Senhora do Seixo no Fundão.
Ora, é a partir daqui que surgem todas as referências ao Fundão na obra de Gil Vicente.
Assim sendo, conclui José Hermano Saraiva, Gil Vicente terá sido desterrado durante 2 anos para um convento longe de Lisboa e, a partir do seu "regresso", começaram as referências ao Fundão, inexistentes até aí, sendo por isso verosímil que esse convento não tenha sido outro senão o Convento de Nossa Senhora do Seixo, no Fundão.
(*)Existem no entanto algumas imprecisões/incorrecções nestes pressupostos de José Hermano Saraiva que irei apresentar num próximo artigo.
Bibliografia
SARAIVA, José Hermano - "Gil Vicente esteve no Fundão?", Jornal do Fundão, 1976
TEYSSIER, Paul - "Gil Vicente - o autor e a obra", Livraria Bertrand, 1982
ROSA, João Mendes - "Convento de Nossa Senhora do Seixo do Fundão", Câmara Municipal do Fundão, 1997
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