Coelho ou Costa. Afinal em que ficamos?

Lusitanos, vestidos à moda gaulesa, trocando impressões sobre a formação do próximo Governo

Nos últimos dias muito se tem debatido sobre a questão da formação do novo Governo de Portugal, nem sempre de forma informada ou adequada. Nas redes sociais, imbuídos de uma "sabedoria constitucional" inata, argumenta-se com a ilegalidade de um eventual Governo de esquerda, acontecimento que, de tão cataclísmico, poderia até levar à eliminação da selecção nacional de futebol de 11 do Campeonato da Europa. Certo é que esse cenário (o do governo de esquerda e não o da eliminação do Euro 2016) não é de forma alguma ilegal e até é bem possível que a "PaF" tenha cantado vitória demasiado cedo. O que diz afinal a lei sobre isto?


A festa da PaF, que na verdade são dois partidos

A questão da formação do novo Governo tem dado azo a uma discussão alargada, envolvendo desde os vendedores de opinião nos media clássicos e figuras destacadas da nossa sociedade, até ao opinador amador que há em cada português e que se expressa com denodo, tanto à mesa do café como nas redes sociais, embora nesta última com um vigor adjectival mais fulgurante. Infelizmente, a pedagogia e o bom senso não foram chamados para nenhum destes palcos, o que é pena e leva a que haja já quem estabeleça paralelos entre a formação do Governo e o formato das competições futebolísticas. 

Sobre isto, quero desde já aqui deixar bem claro que não acredito que o futebol tenha uma importância tal na sociedade portuguesa que a questão política e os partidos sejam vistos como competições entre equipas de futebol mas, ouvir comparações destas, faz-me sentir como se tivesse acabado de sofrer uma entrada a pés juntos, promovida por defesa-central razoavelmente bruto.

A discussão está neste momento bipolarizada: uns (à "direita") defendem que a coligação "PaF" ganhou e, como obteve a maioria dos votos, deve ter o direito de formar governo, embora minoritário, enquanto outros (à "esquerda") defendem que se o PS, o BE e a CDU se coligarem, então terão a maioria parlamentar necessária para formarem governo. A celeuma é tal que, sobre esta última ideia, José Matos Correia (PSD) lançou o conceito de governo "legal mas politicamente ilegítimo". Na minha ignorância pergunto-me o que é isso da legitimidade política que, não importando se é ou não legal, é fundamental para a formação de um governo.


O que diz afinal a lei (mesmo a que não é politicamente legítima)?

Primeiro comecemos por recapitular os resultados das eleições legislativas: a coligação PaF obteve 104 mandatos, o PS 89, a CDU 17, o BE 19 e o PAN 1. Falta ainda atribuir 4 mandatos relativos aos círculos eleitorais fora de Portugal e que poderão influenciar esta discussão até porque é possível, por exemplo, que os nossos emigrantes votem em massa na coligação.

Neste momento, será portanto correcto afirmar que a coligação detém o maior número de votos na Assembleia da República, certo? Errado. Diz a lei eleitoral da Assembleia da República, no seu artigo 22º que:

"As coligações deixam de existir logo que for tornado público o resultado definitivo das eleições, mas podem transformar-se em coligações de partidos políticos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 12º do Decreto-Lei nº 595/74, de 7 de Novembro"

Significa isto que a PaF, criada para tirar partido do método de contagem utilizado em Portugal para obter mais votos, se extingue após a publicação dos resultados eleitorais. Portanto, na Assembleia da República não haverá PaF mas sim PSD e CDS que irão, à semelhança dos últimos 4 anos, trabalhar em conjunto. Os para já 104 mandatos serão portanto divididos entre estes dois partidos. Não sei como será feita essa divisão nem se já foi feita (poderei por isso estar a dizer uma asneira) mas, se se mantiver a proporção da anterior legislatura, o PSD terá 85 mandatos e o CDS 19.

Então e o que deve fazer o Presidente da República? Sobre o papel do Presidente da República na escolha do Governo, diz a Constituição da República Portuguesa (o tal papel que atrapalha tanto quem governa), na alínea f) do seu artigo 133º que

"(Compete ao Presidente da República, relativamente a outros órgãos,) nomear o Primeiro-Ministro, nos termos do n.º 1 do artigo 187.º"

Até aqui tudo bem mas o que diz especificamente esse artigo 187º no seu ponto nº1 relativamente à formação do Governo? Simplesmente isto:

" O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais. "

Nada diz especificamente sobre partidos mais votados. Apenas que o Presidente da República deve ouvir os partidos com assento parlamentar e ter em conta os resultados eleitorais na sua decisão. Ponto prévio, para já Cavaco Silva apenas teve uma reunião com Passos Coelho para lhe dizer para se entender com o resto dos partidos, não foi uma audição com vista à formação do Governo. Portanto, terá de reunir novamente com o PSD e com os restantes partidos para poder tomar uma decisão. 


"Factura do bolo-rei, talão de encomenda ao Carlos Gil,... onde é que está a lista dos partidos que tenho de ouvir?!"


Imaginem por exemplo que o PSD e o CDS (e o PAN também, suponhamos) defendem em Belém que o chefe de Governo deve ser Passos Coelho mas que, a seguir, os restantes partidos propõem o nome de António Costa. O Presidente terá então ouvido os partidos e, à luz dos resultados eleitorais, terá de convidar a formar Governo quem lhe ofereça uma perspectiva de estabilidade governativa. Se os partidos ditos de "esquerda", que obtiveram nas eleições a maioria dos lugares do Parlamento, defendem um governo liderado por Costa, qual será a decisão mais lógica?

Resta-nos a nós eleitores, tanto os que cumpriram o seu papel neste processo como os que tiveram infelizmente mais que fazer no passado dia 4 de Outubro, aguardar serenamente pelos desenvolvimentos e torcer para que, aconteça o que acontecer e, independentemente de ser ou não politicamente legítimo, que pelo menos se cumpra a lei. Já não será mau de todo.




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