Geração à Rasca: Manifesto acerca da nossa fraca responsabilidade democrática e dos protestos mal dirigidos


Este texto resultou de uma diálogo no Facebook acerca do protesto marcado para amanhã, intitulado "Da Geração à Rasca" e surgindo numa sequência de comentários que se dividem acerca da utilidade das marchas de protesto marcadas para amanhã. Haverá razão para protestar? É legítimo protestar?

Efectivamente não estamos numa ditadura mas, por outro lado, vivemos num sistema que nos permite fazer ouvir a nossa voz quando sentimos que estamos a ser injustiçados.

Infelizmente, este país é mesmo de brandos costumes. O povo definitivamente carece de participação cívica e é desastrado nas formas que encontra para manifestar o seu desagrado perante o sistema instituído. É o tipo de povo que fica em casa ou vai para o shopping em dia de eleições mas depois acha que está tudo mal e "isto já só lá vai com outro Salazar". É o tipo de povo que se manifesta de forma pateta votando em Salazar como "maior português de todos os tempos" ou em sátiras de música de intervenção em programas televisivos à laia de protesto.

Uma das principais falhas da Democracia portuguesa é o facto da população, tantos anos depois e passado o deslumbramento inicial pós-25 de Abril, não ter conseguido perceber e assumir a sua responsabilidade cívica. Falta de maturidade democrática? Provavelmente. Falta de responsabilidade? Principalmente! Isso começa quando se ouve dizer "Sou apenas um. O meu voto não faz diferença." e, quando damos por ela, mais de metade dos eleitores decidiram que o seu voto não era importante. Na prática, não há diferença entre quem se assume desiludido com o sistema político e os seus intervenientes e, por isso, não vai votar, e quem decide ficar na esplanada mais próxima a bebericar umas imperiais com os amigos, lendo o jornal desportivo do dia. Quantos dos que amanhã vão sair à rua se deram ao trabalho de ir votar nos últimos 4 ou 5 actos eleitorais? Na impossibilidade de o saber, que cada um responda a si próprio e à sua consciência.

Claro que não quero com isto dizer que quem não votou não tem legitimidade para protestar, pelo contrário. Não se pode amordaçar ou não alguém em função do seu nível de participação cívica pois, enquanto cidadãos e à luz da Constituição, todos somos iguais e temos os mesmos direitos. Fica contudo a ideia de que essas pessoas não fizeram tudo o que poderiam ter feito para tentar mudar as coisas, quando poderiam ter logo começado por usar o recurso mais elementar que a Democracia lhes permite. É a velha questão dicotómica dos direitos e dos deveres, sendo que os primeiros são sempre mais sedutores.

Quanto ao protesto em si, a única coisa que me ocorre dizer é que com os políticos que temos, é uma fortuna tremenda, especialmente para eles, que nesta altura apenas se esteja a pensar em fazer uma marcha de protesto, mesmo que esta esteja aquém do que poderia ser. Na Grécia, país recheado cidadãos algo temperamentais, foi aquilo que se sabe, enquanto que na Irlanda, país de outros valores, houve demissões ministeriais que levaram à convocação de eleições antecipadas. Já na Islândia, a coisa ficou mais séria e o anterior Primeiro-Ministro foi mesmo processado por conduta negligente que levou à crise em que o país mergulhou.

Da nossa classe política, estou farto de boys, tachos e tachistas, de políticos que nos mentem descaradamente, de hipocrisias e falsos altruísmos de quem apelida de país e de povo português o seu próprio bolso, movendo-se apenas em função dos seus próprios interesses. O pior? Não consigo ver diferença entre eles, salvo uma ou outra excepção e confesso que isso me assusta. Vejo Governantes que mentem à descarada ao povo português, que apelam ao sacrifício e não dão eles próprios o exemplo, muito pelo contrário, outros que finalmente se solidarizam com a população mas só após garantirem a reforma, deputados que não cumprem o trabalho para o qual foram eleitos,... a lista seria interminável!

Voltando ao Protesto da Geração à Rasca e lendo o manifesto que lhe serve de base de orientação, creio que se trata de um movimento com uma certa falta de substância e que fica aquém de tudo o que poderia ser. Não sendo concreto na sua orientação, vai inevitavelmente transformar-se numa amálgama sem ligação de reivindicações diversas, uns protestando contra a precariedade laboral, outros contra os impostos, outros contra a classe política e por aí fora. Creio que haverá até quem proteste contra o barulho que os vizinhos do lado fazem durante a madrugada. Protestar por protestar tira força ao movimento. É pena. A maior virtude que reconheço neste protesto é que poderá funcionar como despertador para a sociedade portuguesa e como catalisador da indignação dos cidadãos.

Se vou participar? Tenho toda a vontade do Mundo em fazê-lo mas fico ainda de pé atrás pelo que já referi atrás. Defendo que os incompetentes, os mentirosos e eticamente deficientes que perderam a confiança das pessoas que neles confiaram não merecem continuar no cargo que desempenham. Se não têm a hombridade de tomar por si a iniciativa, então cabe ao povo exigir a sua saída. Faça-se uma manifestação de protesto neste sentido e estarei lá certamente! Nesta? Provavelmente não. Quer se queira quer não, não se trata de uma Geração à Rasca. É sim UM PAÍS À RASCA.

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