Férias 2010, Parte 11 - O Forte de Joux, o ninho da águia

Começamos logo com duas fotos do Forte e da paisagem envolvente (fotos cujos créditos estão referidos no final do artigo) que é para entrar “a matar”:

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E agora, vamos ao artigo propriamente dito.

O Forte de Joux resulta de sucessivas adaptações de uma fortificação datada do século XI, tendo sido utilizado sem interrupção, embora por vezes como prisão, até ao final da 2ª Guerra Mundial, altura em que a guarnição alemã que ocupava o lugar acabou por retirar.

Situa-se num de 2 picos que, na localidade de La Cluse et Mijoux (traduzido com alguma liberdade para o Estreito a meio do Jura) dominam estrategicamente uma passagem estreita da estrada que liga o centro-norte de França à Suíça e que durante séculos, foi também uma via privilegiada de acesso à Itália. Esta estrada ganhou ainda mais importância a partir do momento em que, na Idade Média, se constituiu como um ponto de passagem obrigatória da Rota do Sal.

Compreende-se por isso que os Senhores de Joux tenham prosperado com a portagem que impunham a quem quisesse passar por aqui, portagem essa que, dado o seu valor, era muitas vezes cobrada com recurso a confisco, sequestro e coação.

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Pátio de Armas do antigo castelo medieval. Vê-se à direita a cisterna e, em frente, a porta da cela de Mirabeau lver mais abaixo)

Tendo passado para o domínio do Condado de Borgonha, o castelo acabaria por ir parar, juntamente com toda a actual região do Franco-Condado, às mãos da coroa espanhola. Finalmente, já no século XVI, a região foi finalmente anexada pela França e foi nessa altura, dada a importância estratégica da praça, que Vauban (lembram-se dele?) aqui ordenou importantes obras de fortificação, tendo mandado construir um forte no outro pico da passagem para interajuda defensiva.

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O Forte de Joux, em primeiro plano à direita e, ao fundo do outro lado da portela, o Forte Larmont. Este foi construído para reforçar a protecção do Forte de Joux, vulnerável a artilharia colocada no outro lado da portela.

A partir do século XVIII, o Forte tornou-se uma prisão do Estado, para onde eram “encaminhados” muitos indivíduos sem recurso a julgamento, tendo-se tornado tão famosa quanto a prisão da Bastilha ou a prisão do Templo.

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A cela de Mirabeau, figura histórica muito peculiar enviado para a prisão de Joux pelo seu pai, devido à vida libertina que levava. Tal era o seu poder de persuasão que se tornou amigo do governador da prisão, tendo inclusive autorização para ir frequentemente à vila de Pontarlier, ali perto. Acabou por fugir para a Holanda com a jovem esposa de um rico senhor local. Capturado, foi condenado à morte pelos crimes de sedução, rapto e adultério mas acabou por conseguir ser indultado e, mais tarde, chegaria a deputado.

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Cela de Toussaint Louverture, libertador do Haiti. Liderou a revolta dos escravos negros contra a França, tendo elaborado uma constituição para o Haiti, nomeando-se governador vitalício. Capturado por uma força expedicionária francesa, foi enviado para Joux onde acabaria por morrer poucos anos depois devido ao rigor climático e perante a impotência do governador da prisão que chegou a pedir ajuda ao Governo alegando que em Joux não dispunha de médicos para tratar negros mas apenas para tratar brancos.

Equipado já na época da I Guerra Mundial com novas fortificações, nomeadamente dois canhões de 155mm cujos únicos disparos conseguiram fazer 2 mortos entre o gado bovino que pastava pela região, acabou por ser delapidado pelos alemães que queimaram madeiras e tecidos para se aquecerem e desmontaram tudo o que era metálico para a sua indústria de guerra.

A Visita ao Forte

Esta visita constituiu o regresso a um local que me ficou na memória desde 2004, altura em que o visitei pela primeira vez. Para além de uma ou outra mudança positiva no conjunto do monumento, houve desta vez um factor que mudou tudo: a qualidade do guia que, beneficiando da sua formação como actor, animou - e de que maneira! - a visita, rematando a informação histórica e arquitectónica com apontamentos humorísticos simplesmente deliciosos.

Com um impressionante molho de chaves na mão, o guia começa por nos levar pela Porta de Luís XIV, sobre a ponte levadiça que transpõe o fosso de Vauban, em direcção à entrada sob a casa do Governador do Forte/Prisão. Ainda hoje é possível admirar o engenhoso sistema de pontes levadiças, existentes nas duas portas referidas, que permitiam que apenas 2 soldados levantassem as pontes em questão de segundos.

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O guia diante da porta de Luís XIV, sob a chuva que nos primeiros momentos, teimou em cair a potes.

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Vista do interior da porta de Luís XIV, a partir do interior, com as fortificações da época da I Guerra Mundial ao fundo.

O primeiro momento de “emoção” aconteceu no Pátio de Armas do antigo castelo medieval, quando o guia, após uma explicação das funcionalidades do pátio e dos pormenores defensivos medievais ainda visíveis (por exemplo as pedras “almofadadas” do aparelho de uma das torres, destinadas a rebater ou quebrar projécteis, herança da presença espanhola), convidou os visitantes a acompanhá-lo na visita às celas que tornaram Joux tristemente célebre como prisão do Estado…

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“Senhoras e senhores, vamos visitar a prisão! Sigam-me!… Então?? Não vêm?”

No pátio seguinte, o pátio da cidadela, onde se encontra a cisterna, a visita prosseguiu para a cela de Mirabeau onde, após o essencial relato da epopeia da personagem, o guia chamou a atenção para um facto inédito: era a primeira vez que a cela iria ter tantos ocupantes. Dito isto, saiu da cela a correr trancando a porta atrás de si e deixando os visitantes prisioneiros. Após alguns segundos voltou a abrir a porta espreitando intrigado e comentando “Estranho… Normalmente nesta altura as pessoas já estão a gritar e a bater contra a porta”.

Sossegadas as emoções, e após uma incursão ao esplêndido museu de armas antigas (que se prepara para estar disponível fora do percurso da visita) e com uma passagem por uma cela de 1x1,5 que terá sido durante 12 anos, segundo uma lenda, o local de clausura de uma mulher adúltera, a visita prosseguiu em direcção aos subterrâneos.

Houve então que descer por uma escada em caracol com mais de 200 degraus, cuja disposição é capaz de enregelar a pilosidades mais íntimas da anatomia humana.

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A impressionante escadaria em caracol que leva aos subterrâneos do forte, bem no coração da montanha. Ao contrário do que chegou a parecer, não é possível avistar a China a partir do topo da escadaria.

Percorrendo a galeria que parte da base da escadaria, que era coadjuvada por um monta-cargas, chegamos à sala do poço.

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Contemporâneo das galerias, o poço, mandado escavar por Vauban que estava bem ciente da importância da água na defesa de uma fortaleza e ciente também da insuficiência da cisterna, tinha originalmente 140m de profundidade. Actualmente tem “apenas” 120 mas é o suficiente para provocar no ser humano uma sensação bem mais forte do que a visão das escadas em caracol.

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Momento em que uma visitante anónima que, por pura coincidência foi captada pela objectiva da máquina fotográfica, expressa o seu profundo assombro perante a profundidade insondável do poço de Vauban que, para evitar eventuais problemas de desaparecimento de visitantes mais entusiastas, se encontra tapado por uma grade metálica bastante enferrujada.

O poço foi escavado de forma ininterrupta, dia e noite, por equipas de 3 homens durante semanas. Trata-se de um dos maiores poços da Europa.

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Visão do poço por entre as barras da grade de protecção. Com uma iluminação mais forte, acreditamos ser possível avistar a China.

Quem não se deixou impressionar pela profundidade do poço, deixando no ar a curiosidade relativamente ao valor dos seguros de saúde e do subsídio de risco dos funcionários do Forte, foi o guia que, para se fazer ouvir melhor, subiu para as grades do poço para continuar o seu relato.

Em direcção à saída, há ainda tempo para ver os cenários usados em 1992 para a rodagem do filme francês “Os Miseráveis”, adaptado da obra de Victor Hugo.

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Cenário do filme “Os Miseráveis”. Trata-se da prisão onde Jean Valjean é encarcerado.

A visita terminou no fosso de Vauban, diante das casernas dos soldados que actualmente estão em fase de recuperação e consolidação para albergar, entre outras coisas, o museu de armas antigas.

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Fosso de Vauban. É visível ao fundo a ponte levadiça da porta de Luís XIV e, à direita, as casernas dos soldados.

Obviamente, a visita terminou com uma estrondosa salva de palmas (e muitas gorjetas) ao guia que, à boa maneira clássica, dedicou uma vénia aos visitantes.

Obrigatório visitar:

Sítio Oficial do Forte de Joux

Foto aérea da região do Doubs (com o Forte de Joux incluído)

Fotos da panorâmica do Forte: Laboratoire Million e Fryz Edition

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