Férias 2010, Parte 9 – O Forte Hackenberg, obra-prima da Linha Maginot

Após o trauma imenso da I Guerra Mundial, que custou à França 1,4 milhões de mortos, mais de 250 mil desaparecidos, para além de ter deixado mais de 3 milhões de hectares impróprios para a agricultura e ter resultado em mais de 800.000 edifícios destruídos, o governo francês idealizou uma linha defensiva que fosse capaz de travar qualquer ataque futuro vindo da Alemanha.

Essa linha defensiva empreendida a partir de 1930, era formada por uma série de fortes subterrâneos fortemente armados, campos de minhas, fossos e outras barreiras, e estendia-se do Canal da Mancha até ao Mediterrâneo, tendo sido baptizada com o nome do Ministro da Guerra em 1930: André Maginot.

O dispositivo era mais impressionante na fronteira com a Alemanha e com a Itália, sendo mais frágil na fronteira com a Suiça, Luxemburgo e Bélgica, falando-se até de duas Linhas Maginot: a mais conhecida a Norte da Suiça, e a “Petite Ligne Maginot” na fronteira com a Itália.

Durante a II Guerra Mundial contudo, os alemães, sabendo que não podiam investir directamente a Linha Maginot, tiveram uma ideia genial: contornar a Linha pelas Ardenas. Apesar de tudo, não se pode dizer que a Linha Maginot não serviu de nada pois, apesar de apenas se ter iniciado o combate na zona de Hackenberg, por exemplo, dois dias após a queda de Paris, os soldados franceses não se renderam e continuaram a combater até depois do Armistício, tendo sido necessário ao novo governo de França enviar oficiais em pessoa aos fortes para dar ordem de rendição.

Contrariamente a todas as tradições militares, segundo as quais os soldados das guarnições que não era derrotadas podiam regressar livres ao seu país, os soldados destes fortes foram feitos prisioneiros pelos alemães que ocuparam os fortes.

4 anos mais tarde, seria a vez dos Aliados experimentarem a resistência da Linha Maginot agora defendida pelos alemães.

 

O Forte Hackenberg

Situado no monte com o mesmo nome, junto à aldeia de Veckring perto de Thionville, o Forte Hackenberg era o maior forte da Linha Maginot, estendendo-se por 12km de túneis a uma profundidade variável de entre 30 a 90m sob a terra, sendo formado por uma couraça de betão armado que, em algumas zonas tidas como mais expostas, tinha uma espessura de 3,5m.

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Vista sobre o monte Hackenberg, que é a mesma coisa que dizer, sobre o Forte Hackenberg.

 

Foi construído para servir de referência na defesa da região, estendendo-se em cerca de 10km de galerias subterrâneas que interligam 19 blocos de combate diferentes. No seu interior, podia albergar até 1.000 soldados, dispondo de dormitórios, cozinhas, refeitórios, cafetaria, geradores eléctricos, solários, salas de comunicações e um armazém com capacidade para 38.000 toneladas de munições.

Tinha duas entradas: uma para munições e outra para a tripulação (e não guarnição) sendo que, na sua máxima capacidade, podia resistir, sem qualquer reforço ou ligação com o exterior, até dois meses.

 

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Entrada das munições guarnecida com metralhadoras e canhões anti-tanque. Na fachada é visível a antena de rádio.

 

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Entrada das munições com chicane protegida por metralhadoras.

 

No seu interior as deslocações de homens e materiais eram feitas a pé ou consoante as distâncias ou o peso, através de um comboio eléctrico para não viciar a atmosfera. Aliás, o forte, para além de ter filtros nas entradas de ar, tinha uma atmosfera com pressão superior à do exterior para impedir ataques de gás.

Durante a Ocupação, o Hackenberg foi parcialmente desarmado pelos alemães, tendo o equipamento sido retirado para guarnecer o Muro do Atlântico. Também para aqui foi transferida uma fábrica alemã para ficar a salvo dos bombardeamentos dos Aliados.

 

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Galeria onde a locomotiva diesel que trazia as munições do armazém exterior situado no vale, era trocada por uma locomotiva eléctrica.

 

A visita ao Hackenberg, que dura 2h a 2h30 e a uma temperatura de 12º (que frio!), começa pela entrada do depósito de munições, passando-se pelas cozinhas, aquartelamentos, fábrica de electricidade e outras instalações de vivência diária. O forte era de tal dimensão que os tripulantes de um posto de combate podiam não conhecer os tripulantes de outro posto situado noutra extremidade do forte.

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Geradores eléctricos do Hackenberg ainda em funcionamento

 

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Um dos vários depósitos de água com capacidade para 54.000 litros

 

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Um pormenor do sistema anti-incêndios. De forma coerente, é explicado que, em caso de incêndio, a primeira coisa a fazer é gritar “Fogo!”. Faz sentido. Em termos de protecção anti-fogo também as galerias do depósito de munições estavam viradas para o exterior para desviar uma eventual explosão para o exterior enquanto uma porta de quase 50cm de espessura de betão revestida a aço, fechava automaticamente em 6 segundos para selar o forte em caso de incêndio no depósito de munições.

 

Um dos aspectos que saltam à vista é a forma como o interior do forte foi musealizado, tendo sido dotado de manequins devidamente fardados e equipados e tendo sido refeitas as salas de acordo com o seu aspecto da época.

Ponto culminante da musealização é o museu de armamento com centenas de peças tanto da 1ª como da 2ª Guerra Mundial.

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Posto de comunicações que, para além de encarregue de manter o forte em ligação com o exterior, também coordenava os postos de observação com os postos de combate de modo a regular o tiro das dezenas de peças do forte

 

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O Museu de armamento

 

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Indispensável no forte era hospital (medicina externa, dentária, bloco operatório, R-X,…) devidamente equipado. Escolhi esta imagem pela dignidade apresentada pelo manequim que, mesmo em ceroulas, ostenta ainda a boina do seu fardamento.

 

A visita prossegue depois no comboio eléctrico até ao Posto de Combate nº9 percorrendo durante alguns minutos as galerias frias e húmidas do Hackenberg. Aqui, sente-se ainda mais o frio devido à corrente de ar. Confirmam-se também as palavras do guia segundo o qual este comboio é um digno exemplar de TGV, isto é, Train à Grande Vibration (Comboio de Grande Vibração).

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O comboio de transporte, agora de turistas, em funcionamento. Em 1940, foi este mesmo percurso que o Rei George VI de Inglaterra realizou na sua visita ao forte.

 

Já no posto de combate nº 9, é possível ver em operação uma das torres de artilharia eclipsantes, restaurada e reparada, capaz de debitar até 15 tiros por minuto de obuses de 135mm. Situada num nível acima dos túneis inferiores, era acessível através de uma escada em caracol ou de um elevador.

 

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A torre eclipsante vista do interior do posto de combate. A sua operação envolvia quase uma dezena de homens. As munições chegavam por monta-cargas a partir do subterrâneo do nível inferior e, depois de disparadas, os seus invólucros desciam novamente para o subterrâneo através de um sistema de escorrega em parafuso.

 

Depois da torre eclipsante, a visita prossegue para a casamata de artilharia com 3 canhões pivotantes de obuses de 135mm que, no exterior são protegidos por um fosso. O conjunto é impressionante. Ao todo, na sua máxima capacidade de operação, o Hackenberg conseguia disparar 4 toneladas de obuses por minuto!

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O guia demonstrando o funcionamento do canhão pivotante de 135mm. À direita é possível ver o mostrador eléctrico que indicava as referências de tiro directamente a partir do posto de comando, um pouco à maneira das instruções de marcha dos navios do século passado. À esquerda, vê-se a alavanca de extremidade amarela do lançador de granadas destinado a atingir inimigos que conseguissem alcançar o fosso que protege a casamata.

 

A visita prossegue depois para o exterior, sobre o posto de combate nº 9, de onde se avista a planície a Este do forte. Numa curta caminhada retemperadora, especialmente em termos térmicos, os visitantes circulam do Posto de Combate 9 para o Posto de Combate 8 que foi o ponto forte da resistência alemã ao avanço dos Aliados em 1944. A partir daí o percurso volta a ser subterrâneo.

 

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Vista da parte superior do Posto de Combate 7 a partir do Posto de Combate 9. A planície é ilusória pois, a poucos metros, existe um muro abrupto.

 

Ainda sobre o Posto de Combate 9 é possível ver a parte superior da torre eclipsante em operação, capaz de efectuar disparos com um alcance de 12km a 360º.

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Severamente danificado pelos combates de 1944, a casamata de canhões de 135mm do Posto de Combate 8, ainda deixa perceber a violência do bombardeamento a que foi sujeita pelos soldados do General Patton que, a muito custo e graças a informações de oficiais franceses, conseguiram colocar um canhão em boa posição para deixar a casamata fora de combate. Beneficiaram ainda do facto de esta estar virada para França, facto que levou a que tivesse sido construída com metade da espessura das casamatas do lado Oriental.

 

O Hackenberg viria a ser reocupado e reactivado durante a Guerra Fria, destinando-se a servir de bastião contra um eventual avanço Soviético. Nunca viria contudo a ser totalmente rearmado, até por uma questão de orçamento, tornando-se inútil após o desenvolvimento do programa nuclear francês, que se tornou um elemento estratégico dissuasor por excelência.

Progressivamente arruinado, viria a ser cedido a uma associação de habitantes locais voluntários, a AMIFORT, que se encarregou das reparações necessárias e da musealização do forte. Actualmente guiam os visitantes durante as visitas e efectuam todos os trabalhos de manutenção necessários para que a memória do outrora orgulhoso e inexpugnável Forte Hackenberg, assim como dos soldados que o guarneciam, não caia no esquecimento.

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A visita ao Hackenberg foi sem dúvida um dos momentos altos das duas semanas de férias!

A visitar: AMIFORT: Ouvrage A19 Hackenberg

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