Como um filme de Manuel de Oliveira

E de repente, no espaço de uma semana, o país foi sacudido de Norte a Sul pela súbita constatação de dois factos que, aparentemente, eram completamente desconhecidos pela população, quiçá mais preocupada com a saúde das suas poupanças e o valor da Euribor.


Manuel de Oliveira? Gosto muito! Ele faz o quê, mesmo?

Começando pelo evento mais recente, esta semana o povo descobriu que há em Portugal um cavalheiro com a respeitável idade de 100 anos e que, segundo dizem, até realiza filmes. Subitamente, a comunicação social passou a tratar Manuel de Oliveira como nunca o havia feito antes, quase como figura de estado, e começaram a aparecer fãs um pouco por toda a parte.

No fórum TSF de quinta-feira, por exemplo, sucedeu-se um longo desfilar de fãs recém-assumidos do realizador, um dos quais, em total desrespeito pela sanidade mental pública, afirmou mesmo que era uma pena não haver mais divulgação da obra de Oliveira e que era uma pena não passarem na televisão. Outro ainda, num assomo de regionalismo / bairrismo, desabafou numa curta intervenção que só não havia mais divulgação e mais apoio da obra do cineasta porque ele era do Porto e não de Lisboa. Obviamente que este cavalheiro tem em si, na
mesma medida, o total desconhecimento quer da obra de Oliveira, quer dos apoios que este recebe.

Claro que eu acredito que passada esta moda pseudo-intelectual, a malta não queira ficar meia-hora perante cenas onde, o que de mais agitado sucede, é provavelmente a queda da folha de uma planta que se encontra em 2º plano. O que o povo quer mesmo ver é a Soraia Chaves armada em católica muito praticante, isso sim!

Sincero foi um senhor deputado que, sem papas na língua afirmou que já tinha tido oportunidade de assistir a um filme de Manuel de Oliveira e que, a partir de certa altura a experiência tornou-se atroz e a cadeira onde estava sentado tremendamente desconfortável. Eis um político honesto!

Já que falamos de deputados...

Esta foi a primeira grande revelação da semana: os senhores deputados, eleitos pelo povo para a Assembleia da República, não só começam o fim-de-semana à quinta-feira (presumivelmente à hora do café pós-almoço pantagruélico) como ainda resumem muitas vezes a sua sessão de trabalho ao acto de assinar o livro de ponto para, logo a seguir, irem à sua vidinha. O facto de serem depositários da confiança de uma população de 10 milhões de portugueses é, obviamente, um detalhe.

Há dias dizia uma figura conhecida no nosso meio político que o salário de um deputado não lhe dava para enriquecer pois estes não são assim tão bem pagos quanto se julga. Obviamente que aqui reside a explicação! Tendo em conta que os deputados recebem em média apenas um magro salário base de 3708 euros (ok, pode ser duplicado com abonos mas tenho a certeza que ninguém se mete nisso), é perfeitamente legítimo que procurem outras fontes de receita ou vocês acham que um Audi ou um BMW são tão económicos quanto um Mitsubishi Colt ou um Fiat Punto? Quem é que paga o Imposto Municipal do duplex junto à costa e as mariscadas?

Não posso é, no entanto, ignorar esta ideia incómoda, como se de uma micose mental se tratasse, de que tendo em conta a relação do vencimento com as horas de serviço efectivo, os deputados portugueses (que até são em maior número que os deputados de nuestros hermanos) são provavelmente a classe mais bem paga de Portugal.

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