Eugene, o bacano!

Quando se lida com o público, acontecem ainda que raramente situações caricatas. Nunca aqui falei do indivíduo que entrou no escritório exclamando que tinha de ligar para a polícia porque o autocarro não tinha parado para o apanhar, e de seguida, numa mudança de assunto tão imprevista quanto ridícula, se propôs a comprar os extintores do local (não, aqui não se vendem extintores).

Ou ainda do senhor de idade que ao fazer uma compra com pagamento pelo terminal multibanco, após as minhas instruções: “faça ‘OK’ e confirme se fizer favor”, agarra no pequeno teclado do terminal e qual walkie-talkie encosta-o à boca e exclamando: “OK, confirmo! OK!… bem…

Desta vez tive de assistir durante cerca de meia-hora às alucinações que a droga provoca. Um típico jovem hippie-reggae-rasta-man-peace-and-love, bem alto, em tronco nú, calças quase a cairem, t-shirt enrolada na cabeça, entra pedindo água. Após saciado, seguiu-se a meia-hora mais hilariante que tive nos ultimos tempos.

Tipo extremamente simpático, de seu nome Eugene, que com o típico discurso doutrino-pedagógico muito gestual, (e num tipo com quase 2m de altura há que dar atenção à parte gestual) exprimindo-se em francês misturado aqui e acolá com inglês, explica-me que vem do Festival Boom da Idanha-a-Nova (quem diria!), e é natural da Bretanha, França.

Elucida-me sobre os benefícios do petróleo gratuito, sobre o ‘flower power’, e que o dinheiro não é nada. Continua o discurso fazendo-me sempre inúmeras perguntas às quais só permitia uma resposta tipo sim/não e que mais não eram que simples rampas de lançamento para outros devaneios.

Entendiamo-nos razoavelmente bem tendo em conta o meu francês e o estado da cabeça dele, contudo, para ele, podia melhorar. Vai daí decide ensinar-me francês por telepatia estendendo os braços na minha direcção, fechando os olhos e murmurando qualquer coisa que não percebi (lá está, ele tinha razão).

Após ter contribuido para melhorar substancialmente o meu domínio da lingua francesa, encetou uma pequena dança de braços no ar, bebeu mais 2 copos de água e continuou a conversa comigo até ao momento em que fomos subitamente interrompidos pelo seu amigo Jimmy. Virou-se para a cadeira vazia ao lado dele e num tom murmurante disse “no Jimmy, not possible” isto naquele inglês com a pronúncia carregada do françês…adorável. Confirmou-me então que comigo, para além dele, estava Jimmy Hendrix e a sua namorada (a do Eugene). A partir daí o encontro passou a ser a quatro sendo Eugene o interlocutor de Jimmy.

Nessa condição, percebi então que Jimmy estava interessado num conector USB que estava num dos expositores. Pediu-me para o tirar da caixa para lho mostrar. Confesso que fiquei confuso quando o Eugene disse que eu tinha de aproximar o conector USB da montra para que Jimmy o conseguisse ver, isto porque ele só conseguia ver através dos raios solares e o tecto do escritório impedia isso. Fiquei desiludido porque pelos vistos o grande Jimmy Hendrix afinal já não estava sentado à minha frente.

De tempos em tempos interrompia o seu discurso para atender uma chamada em espera (Eugene dixit), ora do Jimmy ora da namorada, aí, punha as duas mão na cabeça, fechava os olhos e encetava a murmurante conversa.A dada altura lá se desinibiu (ainda mais!) e perguntou se eu tinha ‘produto’, e se sim que voltava amanhã para o buscar…meu Deus! Logo na semana em que o meu dealer falhou! Para esquecer a minha resposta negativa foi para a rua fumar…qualquer coisa.

Desenhou nos pilares com o dedo usando uma tinta invisível, e qual missionário interpelou algumas pessoas para lhes explicar o ‘flower power’, eis então que chega a senhora da limpeza que apanha um valente susto quando ele se dirige a ela com os braços estendidos para lhe agarrar as mãos ! Por esta altura apesar de ter achado graça e entrado no jogo, achei melhor começar a envidar esforços para que ele saisse antes que viesse algum cliente e a coisa corresse mal…sem sucesso.

As minhas tentativas não o demoveram, isto até que mencionou Van Gogh. Venho a saber que é mais um dos seus amigos íntimos. Tento cortar-lhe a onda dizendo-lhe que já tinha morrido e que inclusivamente eu até já tinha estado ao pé da sua campa. “Dans le cimetière de Père Lachaise?” pergunta, “Non, dans le cimetière de Auvers-sur-Oise” respondi. Saiu disparado para a rua, montou-se na sua bicicleta e subiu a rua em contra-mão dizendo que tinha de se ir encontrar com Van Gogh. Não sei porquê mas não me espanta nada…

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