Continuando a nossa viagem pela alta Beira Alta (passe a redundância), deixámos então Trancoso para trás e prosseguimos para Norte, em direcção a Penedono onde chegámos por volta da hora do almoço (uma hora extremamente relativa, é certo, mas ainda assim relevante na estruturação da nossa visita).
Após alguma hesitação em relação à escolha do local mais apropriado para nos instalarmos com a nossa genial arca frigorífica portátil, e após firme objecção por parte de um elemento da comitiva em relação a instalarmo-nos num simpático espaço à porta de um restaurante local (creio que esse certo e determinado elemento usou do argumento de que tal acto constituiria uma prática de verdadeiro tuguismo), acabámos finalmente por encontrar um pequeno jardim que reunia as infra-estruturas necessárias. Bom, faltavam talvez os sanitários...
O local escolhido foi o Jardim da Cegonha, um espaço muito bem tratado e cativante, junto a uma antiga fonte de mergulho. Este jardim evoca não a ave propriamente dita mas sim aquilo que conhecemos também como Picota, um mecanismo de alavanca e contra-peso destinado a retirar água de um poço e que outrora ali existiu.
O Cavaleiro Magriço
O Castelo de Penedono é conhecido por ter sido local de nascimento de Álvaro Gonçalves Coutinho, conhecido pela alcunha de "Magriço", um dos "12 pares de Inglaterra" referido por Camões no Lusíadas. Esta figura quixotesca era filho não-primogénito do alcaide do castelo de Penedono e, como acontecia na época, vivia em demanda de glória e fortuna pelos feitos de armas.
A sua mítica história teve origem quando 12 damas inglesas foram injuriadas por outros tantos fidalgos e, para preservar a honra das damas e, ao mesmo tempo não querendo entrar em conflitos que poderiam degenerar em grave conflito, o Duque de Lancaster (ou Lencastre) pediu a D.João I que lhe enviasse 12 fidalgos para a peleja.
O Magriço, ao contrário dos outros 11 que foram de barco, viajou para Inglaterra por terra para saciar a sua curiosidade, o que fez com que se atrasasse. Diz a lenda, que estava já o torneio prestes a começar e uma dama em particular muito chorosa por não estar quem lhe iria defender a honra, quando chegou o Magriço em grande alarido.
Obviamente vencido o torneio, os cavaleiros celebraram a vitória e regressaram a Portugal... excepto o Magriço que ainda se manteve alguns anos por lá ao serviço do Conde de Flandres, regressando mais tarde com uma carta de reconhecimento que se encontra ainda hoje depositada na Torre do Tombo.
Foi em memória da relevância lendária dos feitos do Magriço que, em 1966 por ocasião do Campeonato do Mundo de Futebol, a selecção nacional recebeu a alcunha de "Magriços" já que esta prova se disputava em Inglaterra.
O Castelo de Penedono
Trata-se de uma fortificação do Séc XIV, com uma arquitectura única, que se destaca na relativamente pequena sede de concelho. Antes de acedermos ao castelo, passamos por um conjunto de casas recuperadas, uma das quais adaptada a posto de Turismo, e um belo exemplar de pelourinho manuelino de gaiola do Séc XVI.
Sobre a fortificação diz-nos a Câmara Municipal de Penenodo que:
"O castelo, classificado como monumento nacional (Decreto de 16 de Junho de 1910), ergue-se a 930 m. de altitude, em plena serra de Serigo, dominando ao redor um vastíssimo panorama, apenas limitado, ao longe, pelos mais elevados relevos das Beiras e Além - Douro e terras castelhanas do antigo reino Leão.
Galhardamente fincado no seu pedestal granítico, lembra, pelo fino recorte das suas linhas, uma graciosa aguarela romântica ou cenário de conto de fadas. É, sem dúvida, o mais formoso monumento do seu género, existente em terras beiroas.
De planta hexagonal irregular, com o perímetro de, aproximadamente, setenta metros escassos, foi edificado, talvez, no século XIV, por D. Vasco Fernandes Coutinho, senhor do Couto de Leomil e vassalo de el-rei, a quem D. Fernando o doara, juntamente com a vila de Numão e outros lugares, em recompensa de revelantes serviços prestado à Coroa. O escudo das armas dos Coutinhos: as cinquo estrelas sanguinhas / em campo dourado pintadas – colocado acima do portal da entrada, assim o dá a entender.
Dois esguios cubelos flanqueiam o portal, aberto ao sul, enquanto outros três se escalonam a intervalos irregulares, ao longo do anel das altas cortinas ameadas."
No seu interior é possível passear pelos diferentes níveis do castelo (numa altura de até 3 andares aproximadamente) alcançando-se uma vista magnífica. Contudo, levanta algumas questões de segurança até porque o corrimão que supostamente serve de resguardo inspira tudo menos confiança.
Dois imponentes torreões ladeiam a porta de entrada do castelo sobre a qual se encontra o brasão da família dos Coutinho.
Perante o cenário, um dos membros da comitiva viu-se forçado, em grande sacrifício e perda pessoal, a abdicar de subir às ameias do castelo para garantir que, em caso de desastre, alguém estivesse em condições de prover cuidados de primeiros socorros aos restantes membros da comitiva ou de, pelo menos, os carregar para a bagageira do automóvel.
À entrada do castelo, foi necessário atestar que não estávamos ali para levar a palavra do Senhor nem para vender enciclopédias. Curiosamente, a sinistra figura que nos barrou o caminho era muito semelhante à outra sinistra figura que, em Trancoso, fez uso de uma sepultura rupestre à laia de espreguiçadeira.
Um membro da comitiva, pouco preocupado com a sua própria segurança pessoal, tenta fazer humor com outro membro insinuando que este estaria a evitar circular pelas ameias devido a inexplicável fobia das alturas. O membro visado pelo inoportuno comentário jocoso resolve ignorar e fingir que acabou de avistar a Soraia Chaves a perseguir, com ar de quem quer praticar traquinices, o pároco local em plena avenida principal da povoação.
A seguir: Missa num Anta, Tuguismo de Qualidade
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