A aldeia perdida de Colmeal

A Beta escreveu-me para pedir informações sobre uma aldeia abandonada que sabia existir "por estes lados". Decidi então aproveitar esse pretexto para escrever este artigo para mostrar, não só à Beta, mas a todos os leitores, este peculiar lugar perdido na Beira Alta.


A aldeia de Colmeal dá, ainda hoje, nome à freguesia na qual se insere, embora a povoação esteja abandonada desde a década de 1950. Situa-se num vale da Serra da Marofa, no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo.



Trata-se de um conjunto rural interessante, praticamente todo em xisto, e dominado pelo Solar dos Cabral, onde o navegador Pedro Álvares Cabral passou parte da sua vida. Aliás, sobre a porta de entrada encontra-se ainda um brasão da família Cabral, que apresenta um curioso erro de construção (1).


A Igreja da aldeia também é interessante, apesar do seu preocupante estado de ruína. A queda do estuque revelou os primitivos frescos com cenas bíblicas e motivos vegetais. Nas fotos, que aqui apresento, é possível ver aquela que será uma representação de S.Sebastião em duas camadas diferentes, um sinal de que terá havido uma reparação ou reconstituição da pintura numa época posterior.

No exterior um enorme brasão, muito desgastado, coroa a porta de entrada e, a toda a volta da igreja, na parte superior das paredes, existe uma banda de pintura decorativa em motivos vegetais.



Contudo, existe um outro ponto de interesse junto á localidade e que apenas em 2004 foi descoberto: as pinturas rupestres. Situam-se junto à povoação nos enormes penedos que ladeiam a ribeira do colmeal e tratam-se de representações esquemáticas de antropomorfos, datando do 3º Milénio a.C.. Foi aliás por causa desta descoberta que, movido pela curiosidade e pela necessidade de documentar o local, me desloquei ao Colmeal.

A pretexto destas pinturas, apresentei uma comunicação a 13 de Março de 2005, em Alijó, no âmbito das II Jornadas Transmontanas de Arqueologia, durante a qual falei também da aldeia de Colmeal. No final deixei no ar a proposta para que fosse criado nas ruínas de Colmeal um centro de acolhimento a visitantes que contivesse um centro interpretativo da aldeia e das pinturas, assim como uma unidade hoteleira. Seria com certeza uma excelente forma de trazer vida ao local, evitando que este desapareça irremediavelmente.



A história do abandono

Tendo origem na Idade Média, algures por volta do séc. XII, o núcleo populacional nunca se assumiu como povoação, mantendo sempre o seu estatuto feudal e pagando renda ao proprietário das terras até ao seu abandono definitivo. As terras onde se situa pertenceram durante muito tempo aos Condes de Belmonte, embora tenham depois sido sucessivamente revendidas, passando por vários proprietários diferentes.

Em 1957, um diferendo entre os habitantes e a proprietária daquelas terras sobre o aumento do preço da renda, culminou da pior forma quando o tribunal deu razão à proprietária e esta se decidiu pela expulsão dos habitantes. Às primeiras horas da manhã de 10 de Julho de 1957, um contingente da GNR fortemente armado e a cavalo entrou na povoação e forçou a as 14 famílias que aí moravam a abandonar as suas casas. Embora não esteja confirmado, há relatos de confrontos e mortes, o que não seria de espantar dado aquilo que estava em causa para os habitantes.

Estes acabaram por se fixar nas povoações anexas da freguesia ou partiram para outras paragens. Certo é que nunca mais puderam aqui voltar e hoje, nada resta para além de ruínas e memórias de uma vitalidade que ainda ecoa pelos muros despidos de Colmeal.

(1) Na heráldica, os animais são representados sempre virados para a sua direita (esquerda do observador), já que este é, desde sempre, considerado o "lado nobre" ("ele é o meu braço direito", "...onde está sentado à direita do Pai", etc). O que por vezes sucede é que, quando um nobre encomendava o brasão a um artífice, enviava-lhe um exemplar do seu selo, que poderia bem ser um anel, e que era usado para marcar o lacre das suas cartas. Se o artífice não fosse muito experiente ou se fosse mau artífice, olhava directamente para o sinete cuja imagem, obviamente, estava invertida, representando na pedra aquilo que via. Terá provavelmente sido aquilo que aqui sucedeu.

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