Europeias 2014 - Da histórica derrota da AP à trágica vitória do PS

Se dúvidas houvesse, os cidadãos europeus deram uma prova cabal daquilo que sentem em relação à actual União Europeia, bem longe de ser a tal "Europa solidária" apregoada por muitos, incluindo o nosso primeiro-ministro.


Fartos uns de uma Europa que só lhes impõe austeridade, desiludidos outros com uma Europa que não é aquilo que lhes foi prometido, pelo Velho Continente fora os cidadãos fizeram aquilo que se faz quando se tem a cabeça quente: tiveram atitudes extremas mas também mostraram aquilo que é o poder do voto. Abalaram os alicerces da alternância partidária e enviaram uma mensagem bem forte: esta não é a Europa que se pretende e os habitués do palco político não se podem sentir seguros nos seus cadeirões pois há alternativas a considerar, mesmo que isso signifique trilhar um caminho muito perigoso. 



Contudo o sintoma mais evidente do desencanto e da descrença acabou por ser a elevadíssima abstenção, excepto nos países onde o voto é obrigatório. Sendo esta a forma de protesto (quando o é porque o comodismo disfarçado de protesto é também uma realidade), será a que menos incomoda os políticos-residentes do sistema. Fica bem lamentar a abstenção, é claro, mas desde que os militantes continuem a votar, tudo bem. 

Portugal alinhando orgulhosamente no top 10 da abstenção


No jogo da abstenção vs radicalização, em França deu-se o grande evento da noite. Não só a abstenção baixou em relação a 2009 como, ainda por cima, os eleitores optaram por dar a vitória à Frente Nacional, um partido extremista que soube capitalizar o profundo descontentamento dos franceses para com uma política governativa que é o oposto daquilo que lhes foi prometido por Hollande (parece familia?). Conhecidos pelas suas ideias cuja formulação não exige em geral a utilização de grande quantidade de neurónios, nesta campanha conseguiram superar todas as expectativas ao declararem em surdina que o problema da imigração pode ser resolvido pelo vírus Ébola.

 
*Traduzido do "Ebolês"


Este advento dos partidos com uma ideologia extremista abjecta fez soar os alarmes por toda a Europa e fez tremer os alicerces das instituições europeias na nova capital Bruxelas-Berlim. Servirá para os eurocratas e donos dos grandes interesses económicos reverem a sua escala de prioridades ou será este o primeiro sinal do fim da União?


Por cá, fez-se o elogio do ridículo

Por cá, como não podia deixar de ser, a noite foi de vitórias retumbantes e de derrotas inconsequentes, pelo menos na boca dos actores da noite. 

Uma amizade que promete dar que falar, sobretudo à luz da "histórica vitória do PS"

O PS congratulou-se pela sua grande vitória e sobretudo pela derrota histórica da direita, apesar de ter sido uma vitória de que nenhum militante socialista se pode orgulhar. É certo que a dita Aliança Portugal perdeu mais de meio milhão de votos em relação a 2009, considerando em conjunto os resultados dos dois partidos nessas eleições. Contudo, o PS não fez melhor que ganhar cerca de 90.000 votos, salientando o evidente: os portugueses não consideram o PS como alternativa e nem o PS se comportou como tal desde que foi substituído no poder pelo binómio PSD-CDS. É irónico pensar que a histórica derrota da direita pode muito bem levar à substituição de José "Pirro" Seguro.

Na sede da Aliança, os rostos fechados não mentiam quanto ao impacto deste fraquíssimo resultado e o único aspecto positivo salientado nos vários discursos foi o de não ter sido ainda pior. Nos discursos monocórdicos, em que o fim de cada frase foi marcado por palmas muito frouxas, fechou-se o ciclo das Europeias com uma novidade em relação à campanha: ninguém culpou desta vez José Sócrates pela crise de votos da Aliança. O cenário anímico só não é mais negro porque, segundo consta, sobraram algumas garrafas de Murganheira para afogar as mágoas.

"Com nojo ou sem nojo, levámos uma grande cabazada!"

Enquanto a CDU prossegue a sua gradual subida eleitoral, desta vez com um candidato que fez furor entre o eleitorado feminino, e já anuncia a apresentação de uma moção de censura ao Governo que terá o destino de todas as outras (nem que o PSD e o CDS tenham de recorrer novamente à disciplina de voto),  já o Bloco de Esquerda continua em queda livre, confirmando que boa parte da sua credibilidade saiu com Louçã, Drago e Rosas. Não basta ser do contra só porque sim.

O grande protagonista da noite acabou mesmo por ser Marinho Pinto cujo estilo brigão-irascível-populista valeu ao MPT uma estrondosa subida de mais de 200.000 votos e uma inédita eleição de um deputado para o Parlamento Europeu (dois de acordo com as últimas notícias.). A adesão do eleitorado a esta candidatura foi de tal ordem que correm boatos de que até a Manuela Moura Guedes votou no MPT.  Será que vamos em breve ver Marinho Pinto noutras lides eleitorais? 

Imagens: Terra dos Espantos, Courrier International, Ed Ward, RFI

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