No Trilho da Muralha de Adriano - Dia 3

Mapa do percurso
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Dia 3 - De Chollerford a Once Brewed (22km já com descontos)

[Todas as etapas: Dia 1 - Dia 2 - Dia 3 - Dia 4 - Dia 5 - Conclusão]

Depois de recuperada a mobilidade nos membros inferiores, descemos até ao rés-do-chão até à sala de refeições, uma sala alcatifada (tal como o resto da casa, ao que parece é uma regra geral pela Britânia) com aspecto antigo e muito acolhedor. Pouco depois, a nossa anfitriã (Sandra Maughan) colocava à nossa frente dois belos pratos de colesterol em forma de pequeno-almoço inglês, com tudo aquilo a que tínhamos direito.

Enquanto tomávamos o pequeno-almoço, um simpático casal australiano passou pela sala e, como acontecera no dia anterior com um casal de origem indiana que havíamos encontrado várias vezes no trilho, gerou-se facilmente uma conversa assente nas perguntas do costume (De onde são? Onde ficam hoje? Onde começaram o trilho? Vão até ao fim?). Tanto neste dia como no dia seguinte voltaríamos a encontrar estes dois rostos em diferentes locais do trilho.

Sandra Maughan, proprietária da quinta de Greencarts, dedica-se a tempo inteiro com o marido aos serviços de alojamento que, para além do Bed & Breakfast, inclui ainda um parque de campismo (que estava bastante concorrido apesar da  chuva do dia anterior) e um "Bunk house", uma zona de camaratas. Da quinta cuidam os filhos. Segundo ela, fomos os seus primeiros clientes portugueses e ela adorou-nos por sermos tão simpáticos e espectaculares (esta última parte foi uma adição livre da minha autoria).

Depois de nos ter proposto um lanche para levarmos, dado que ao longo da etapa não iríamos ter locais onde pudéssemos comprar comida, a Sandra ofereceu-se para nos levar de volta até Chollerford, para começarmos o dia com uma visita ao forte romano de Chesters, antes de nos pormos a caminho para aquela que viria a ser uma das duas melhores etapas do percurso.


O Forte de Cilurnum (Chesters)

Sem dúvida um dos melhores fortes a visitar no Trilho da Muralha de Adriano, o forte de Cilurnum foi um forte de cavalaria e um dos primeiros fortes a ser construído na Muralha de Adriano, tendo funcionado durante cerca de 300 anos, até à partida dos romanos. Em 200 desses anos a sua guarnição foi composta por uma unidade de cavalaria oriunda... das Astúrias! Situava-se numa posição estratégica importante, pois, para além da missão de vigilância da própria muralha, guardava também uma ponte, cujos vestígios na margem oposta são hoje visíveis.


Forte de Cilurnum, termas, vestígios de ponte e da Muralha (destaquei a sua orientação a vermelho). Imagem Google Maps


O forte começou a ser escavado a partir de 1843 por John Clayton, um campeão da preservação da Muralha e, por feliz acaso, então proprietário do terreno onde o forte se situa. Clayton foi aliás mais longe e comprou grandes extensões de terra, atravessados pela Muralha, com o objectivo único de impedir o seu desaparecimento, tendo inclusive reconstruído uma boa parte. Parte do espólio que recolheu encontra-se exposto no pequeno Museu vitoriano construído em 1890, ano da morte de Clayton.



Deuses, fiéis e votos cumpridos!

Uma bela colecção de aras romanas (altares), então construídos para selar pactos entre homens e deuses, isto é, para pagar promessas. Numa altura em que a Peregrinação a Fátima ou Santiago de Compostela ainda não tinham sido inventadas, os romanos prometiam fazer altares aos deuses em troca de graças concedidas. Estes altares eram depois colocados em local sagrado e, sobre eles, colocavam-se oferendas (alimentos, vinho, incenso,...) 


Um espectacular Modius, antepassado da nossa antiga unidade de medida de volume, o Moio. O termo Modius podia referir-se à medida-padrão romana correspondente a 8,7 litros ou simplesmente ao recipiente com que eram medidos os cereais. Este é o exemplar de Modius mais bem conservado que se conhece e pode bem ser um ícone de desonestidade já que, embora esteja escrito no seu exterior que a sua capacidade é de 9,5 litros, este recipiente tem na verdade capacidade para um pouco mais de 11 litros. Provavelmente destinava-se a enganar os agricultores no acto de pagamento da annona, um imposto em géneros criado no final do século III. Há no entanto quem defenda que faltam elementos neste Modius, elementos esses que ocupariam o espaço a mais em relação à medida oficial.


As casernas. O pátio era atravessado por uma caleira e na sua extremidade situavam-se os compartimentos destinados aos oficiais.


E eis as termas que serviram de modelo para a recriação do forte de Segedunum que mostrei no artigo do 1º dia de caminhada (ver aqui). Trata-se das ruínas de termas romanas mais bem conservadas do Reino Unido.


Apodyterium das termas. Era aqui que os banhistas deixavam os seus bens e vestuário antes de irem aos banhos. Pessoalmente já usei balneários em pior estado.


O Caldarium ou banho quente. Nesta altura uma visitante ao lado exclamou "Olha que giro, tinham bancos na piscina!" e, quando dei por mim, estava a explicar-lhe que não, que aquilo era o nível onde assentava o fundo da piscina e que ainda era visíveis vestígios da camada de impermeabilização nas paredes. Pela expressão que me dirigiu, das duas uma, ou o meu inglês é muito parecido com o nepalês ou deve ter pensado algo como "Deves ter um bocado de mania..!"



Do outro lado do North Tyne, avistam-se vestígios da ponte e, à esquerda, vê-se o alinhamento da morada. A ponte foi completamente desmantelada em 675 porque os saxões acharam que a igreja da vizinha Hexam fazia mais falta que a ponte. Curiosamente, respeitaram um falo romano e deixaram a pedra onde ele está gravado (ou então tiveram medo dele).


Entre a margem do rio e o forte, foi exposta uma secção da Muralha. Seria o nosso primeiro troço de Muralha do dia e o prenúncio de muitos mais!


O centro de comando do forte, o Principia, vendo-se do primeiro plano para a frente diversas divisões, entre as quais uma sala para os objectos "sagrados" da guarnição e a entrada da sala-forte subterrânea (lembram-se para que servia?), depois a Basilica, um grande espaço coberto onde o comandante podia falar para toda a guarnição e onde podiam ter lugar os exercícios de treino, e finalmente um pátio.

Porta do forte onde se pode ver o início da Muralha para Noroeste. Sendo uma das três portas duplas que abriam para a zona Norte da Muralha, o facto de se ter selado uma das passagens pode dar a entender que a dada altura as relações com os nativos do Norte evoluíram para um nível de cordialidade digno parlamento Sul-Coreano.

Terminámos a visita na cafetaria existente junto à entrada do forte (onde aprendi que quando se quer perguntar se algo está frio, como uma garrafa de água por exemplo, não se deve usar o termo "fresh" caso contrário levamos com um "What?!" acompanhado de um olhar de constrangedora expressão de estranheza) e, após termos carimbado os Passaportes do Trilho na recepção do Centro de Interpretação, iniciámos o percurso do dia com destino a Once Brewed.


Finalmente Muralha de Adriano a sério!

Após de caminharmos algum tempo no passeio junto à estrada a partir da saída do Forte de Chesters e depois por uma pequena estrada de alcatrão, depressa chegámos novamente aos prados. Deu logo para perceber que neste troço iríamos mais caminheiros que nos dois dias anteriores. Após caminharmos algum tempo junto ao fosso, vimos pela primeira vez de forma notória as marcas de um fortim de milha (Milecastle) no terreno e, imediatamente a seguir, uma grande secção da Muralha com vestígios de torres de vigia.


"On the road again, Goin' places that I've never been,..."


Eis finalmente uma bela secção da Muralha rumo a Oeste. Isto sim, já confere com o que vem nos guias turísticos!


Restos de uma torre de vigia na Muralha, a Black Carts Turret. Havia sempre duas torres desta entre dois fortins de milha e serviam tanto para vigilância como para dar alertas através de fogueiras.


Depois da torre, a Muralha continua, sempre com o fosso à sua frente.

Depois de passarmos novamente pela zona da quinta de Greencarts, continuámos a subir pelo trilho, sempre junto à Muralha, chegando finalmente a um ponto emblemático do Trilho. Trata-se do "Limestone corner", literalmente o Canto de Calcário, que marca o ponto mais a Norte do Império Romano

Bom, em abono da verdade convém dizer que houve um período de 20 anos em que a Muralha de Adriano foi abandonada, tendo uma nova muralha de turfa e madeira sido mandada construir mais a Norte (um pouco acima da actual cidade de Glasgow) pelo imperador Antonino Pio. Esta Muralha de Antonino, tinha uma extensão de 60km (metade da Muralha de Adriano) e demorou o dobro do tempo a ser construída (12 anos) apesar de também ter envolvido 3 legiões no processo. No entanto, a partir de 160 d.C., seria também ela abandonada e a Muralha de Adriano voltou a ser ocupada. 

Chegada ao "Limestone Corner" (ponto onde o fosso deixa de se ver na foto)! A partir daqui, a Muralha deixa de seguir para Noroeste e passa a ter uma orientação geral oés-sudoeste.

O Forte de Brocolitia e o Templo de Mitra

Pouco depois do "Limestone Corner" chegámos ao Forte de Brocolitia, ou de Carrawburgh. À semelhança de Vindobala (ver artigo anterior), do forte propriamente dito pouco há para ver. A sua muralha Norte foi destruída durante a construção da Estrada Militar e apenas se distingue a elevação que corresponde à plataforma do forte. O primeiro a fazer aqui escavações foi John Clayton, no século XIX, tendo decorrido outras campanhas já no século XX, que trouxeram à luz do dia um templo que se concluiu ser dedicado ao deus Mitra, um deus de origem oriental.

Outra grande descoberta de Clayton neste local foi o Poço de Conventina. Este poço faria parte de um santuário dedicado a esta deusa indígena aquática e, dentro dele, Clayton descobriu 13.487 moedas, aras e instrumentos usados em cerimónias religiosas. Exceptuando as moedas, que terão sido atirados para o poço em jeito de oferenda à deusa (vem de longe a nossa prática de atirar moedas para as fontes e poços), o resto terá sido aqui escondido após o Édito de Tessalónica que no final do século IV instituiu o cristianismo com religião oficial do império, abolindo todas as outras. 


Parte da plataforma do forte e a sua actual guarnição.

Vista aérea do Templo de Brocollitia sendo visíveis a estrada que aqui passa novamente por cima da Muralha e, na parte inferior da foto, o templo de Mitra. Imagem Google Maps

O templo de Mitra é um local relevante singular. O culto a este deus terá tido origem no Médio Oriente e tornou-se extremamente popular, sobretudo entre os soldados da legiões romanas, responsáveis pela sua difusão no império. Compreende-se se tivermos em conta que é um culto que exalta os valores da verdade honra,  disciplina e bravura, mas também impõe o auto-sacrifício como via para o auto-aprimoramento. Uma filosofia bastante diferente, portanto, do significado pouco coloquial que hoje se atribui ao termo "mitra". 

Este templo foi destruído, provavelmente por cristãos, e mais tarde reconstruído, antes de ser destruído uma segunda vez e em definitivo.


O Templo de Mitra, com réplicas dos altares que aqui foram descobertos.


Momento em que um caminheiro reza a Mitra para que o poderoso deus alivie o peso da mochila, afaste bolhas, tendinites e touros furiosos desta jornada e já agora sugira uma chave vencedora para o próximo sorteio do Euromilhões. Para incluir algum conteúdo cultural nesta legenda, acrescento que era sobre os estrados laterais que os fiéis seguidores de Mitra se instalavam para participar nos rituais do culto ao deus que dera origem ao Mundo após matar o Touro Primordial. A flora nasceu do corpo morto do bovino, do seu sémen surgiu a vida animal e do seu sangue surgiu o outro elemento fundamental do Mundo: o vinho. O templo estava geralmente pouco iluminado, evocando o subterrâneo onde Mitra matara o Touro.



Nada como algum engenho para impressionar os fiéis: um dos altares tem uma cavidade posterior onde era colocada uma lamparina ou lucerna para iluminar os raios à volta da cabeça de Mitra.

Cumpridas as rezas a Mitra e apreciados os altares, despedimo-nos de Brocolitia e seguimos em frente, passando por cima do riacho que nasce dos domínios da deusa Conventina para atravessar em seguida a estrada. 

Foi nesse preciso momento que um grupo de senhoras aparentando estarem na casa dos 50 se aproximou, vindo em sentido contrário, e nos abordou. Com ar de grande cansaço, uma delas perguntou simplesmente -"Ainda falta muito?". -"Para Newcastle? Ainda falta um bocadinho, sim.", respondi gerando algumas risadas, ao que a senhora rectificou, dizendo que afinal queria saber se faltava muito para Chollerford. Após as animarmos dizendo que já não faltava muito, perguntaram-nos para onde íamos e, quando soube que o nosso destino era Once Brewed, a mesma senhora que nos inquirira abriu os olhos e exclamou -"Vocês vão apanhar grandes subidas!". Agradecemos a informação e seguimos em frente, por um descampado a perder de vista, deixando as nossas interlocutoras prosseguir também o seu caminho.

Momento de passagem pelos domínios da deusa Conventina.


Prados a perder de vista mas sem Muralha.

O ataque das vacas!

Ao passarmos perto da Quinta de Carraw, assistimos a uma situação inusitada envolvendo um binómio homem-cão e uma manada de vacas que pastava passivamente no prado. O homem, que vinha na nossa direcção, tinha acabado de entrar no prado quando as vacas avistaram o cão de que este se fazia acompanhar com o auxílio de uma trela. De imediato todas se precipitaram em corrida para eles e, quando o homem olhou para trás, constatou que todas as vacas se encontravam atrás dele, olhando para fixamente para o cão. Acto contínuo, quando o homem olhou para elas, todas as vacas dispersaram como se de gazelas se tratassem, apenas para se voltarem a concentrar novamente e em passo de corrida atrás do homem e do cão.

Um pouco inquietos com a situação, decidimos dar uma ajuda ao chegar junto dos perseguidos, passando entre estes e as vacas enquanto agitávamos no ar os nossos bastões, o que levou as vacas a dispersar de forma desordenada novamente. Convencidos que as vacas já se teriam apercebido que não valia a pena continuar a perseguição, até porque muitas fugiam à nossa frente, continuámos descontraidamente o nosso caminho.

Pouco depois, as vacas que fugiam diante de nós decidiram fazer meia volta e, contornando-nos a alguma distância, foram juntar-se às suas restantes companheiras para, novamente em corrida, seguirem o homem bem de perto. "Curiosidade em relação ao cão.", pensámos até que, algumas cercas mais à frente, encontrámos um aviso que dizia "As vacas ficam nervosas com cães. Se se fizer acompanhar de um e as vacas o perseguirem, largue o cão e ponha-se em segurança!".
O ataque das vacas!


O início dos "Crags" do Whin Sill

Meia hora depois da Quinta de Carraw, chegámos finalmente ao ponto em que a Estrada Militar deixa de se sobrepor à Muralha devido à crescente irregularidade do relevo, desviando-se para Sul, só a voltaríamos a ver no final da etapa, ao ter de desviar para Sul para chegar ao nosso alojamento. 

Entrando numa zona mais ondulada do Trilho, voltámos a ver a Muralha aqui e ali, assim como algumas torres. Era uma espécie de aperitivo para o que estava para vir e que iríamos encontrar mal começassem os "Crags", a sucessão de montes cortados de forma natural na sua face Norte, pertencentes ao grande conjunto rochoso de origem magmática chamado de Whin Sill, que tornaram esta zona da Muralha virtualmente inexpugnável.


Durante uma pequena subida, surge mais um troço da Muralha com uma torre.


Podemos dizer que este é o início "oficial" do Trilho pelos "Crags". Uma vez que se tornou desnecessário continuá-lo, o fosso termina subitamente. Estávamos a começar a melhor parte do Trilho!



Subindo mais um pouco, até outra torre, avista-se já a ondulação dos vários montes na paisagem.


Uma pequena floresta que deve dar bastante jeito aos caminheiros em dias de vento.


Ao chegarmos a Sewingshields, encontrámos o primeiro Fortim de Milha bem visível do Trilho! Trata-se do Milecastle 35 que, por se encontrar no topo de uma escarpa, não tinha a usual porta para Norte.


A seguir a Sewingshields, a Muralha é substituída por um muro feito com pedras tiradas desta. Os alicerces estão escondidos, à espera de rever luz do dia, mas o muro ajuda a dar uma ideia do traçado da Muralha ao longo do Whin Sill.


O Trilho é extremamente fácil de seguir, tendo a linha da Muralha (neste caso, do muro) como referência mas o desgaste da passagem de caminheiros também dá uma grande ajuda. No entanto, por motivos de conservação do que ainda está enterrado, é pedido aos caminheiros que evitem seguir em fila e que evitem caminhar em zonas do solo sem vegetação. Essa é aliás uma das razões pelas quais se desaconselha a caminhada no Inverno. O solo empapado fica muito mais mole e o impacto nos vestígios arqueológicos ainda enterrados é maior. 


O melhor comentário que eu posso fazer a esta foto é que dispensa comentários. Como tal, não vou perder tempo a escrever nesta legenda e vou já passar à próxima parte do relato.


O forte de Vercovicium (Housesteads), simplesmente o melhor forte do Trilho

Housesteads é um dos pontos altos do Trilho da Muralha de Adriano. Este forte, que outrora teve uma guarnição de 800 soldados e junto dele um povoado (vicus) é o forte romano mais bem conservado do Reino Unido, sendo também um dos melhores exemplares de fortes romanos da Europa.

Situava-se numa posição imponente, sobre uma elevação que dominava uma passagem no Whin Sill mas, apesar da sua aparente defensabilidade, foi destruído 3 vezes, a primeira vez em 197, a segunda em 296 e a terceira em 367. Apesar desses períodos turbulentos, a paz parece ter sido predominante à volta do forte, o que potenciou o crescimento do povoado. Neste povoado foi feita uma descoberta arqueológica macabra. Sob o soalho piso de uma das casas, os arqueólogos encontraram os restos mortais de um casal. Concluíram que estes tinham sido assassinados e os cadáveres escondidos.

Actualmente são visíveis vários edifícios no interior do perímetro do forte, sendo os celeiros um dos mais interessantes a par das latrinas. Como de latrinas já falei o suficiente nos artigos anteriores, desta vez fico-me apenas por esta referência.

Quando no dealbar do século V Roma chamou os legionários para combater noutras zonas do Império que estava então na sua curva descendente, os auxiliares ficaram. Constituídos essencialmente por indígenas, estes militares optaram por ficar junto das suas famílias. Os civis mudaram-se para o interior do forte e o vicus exterior foi abandonado. A partir daí, não se conhece mais sobre a história do forte.


A passagem de Knag Burn e, para lá dela, o Forte de Housesteads. Na passagem encontrámos um casal de japoneses almoçando, aos quais perguntámos onde era a entrada do forte mas, com a comunicação dificultada por meio Mundo de distância, só obtivemos informação sobre a localização do estacionamento. 




Vista aérea do Forte de Housesteads. Distinguem-se o celeiro, à direita destes a zona de casernas, depois por baixo o hospital e à direita o Principia ou edifício de comando e, finalmente, mais abaixo vê-se a casa do comandante (Praetorium). As latrinas situam-se no canto inferior direito do forte. No exterior distinguem-se os vestígios do vicus. Foto Google Maps

A Porta Norte do forte. No exterior foi construída uma rampa para permitir o acesso de carros de transporte ao forte.


As casernas do forte preenchiam todo o espaço do forte que não era ocupado pelos edifícios centrais e por uma ou outra oficina.


Os celeiros, tinham paredes reforçadas para conterem o peso dos cereais sem desabar e piso sobre pilares, para não permitir acumulação de humidade e para protecção contra roedores.


A casa do comandante do forte, com vista para o vicus e para os domínios romanos a Sul. 


Parte do vicus, povoado formado devido à aliciante perspectiva de comércio com os soldados do forte. Muitos dos soldados, embora inicialmente não lhes fosse permitido casar, acabaram aqui por formar família.


Ninguém consegue ficar indiferente ao forte, nem que seja para avaliar a comestibilidade da sinalética.

Depois da visita ao Museu e ao forte, parámos para saborear o lanche que nos tinha sido preparado em Greencarts. Aqui e ali começámos a ver algumas gotas de chuva a cair e percebemos logo que o dia não ia acabar tão bem como tinha começado. Por isso carimbámos os passaportes na caixa existente no exterior do museu e com a alma gastricamente renovada, voltamos a fazer-nos ao Trilho. Ainda havia alguns quilómetros a cumprir.

Mais fortins de milha e... a chuva!

A partir de Housesteads, o caminho faz-se à vista da "Muralha de Clayton", o troço reconstruído por John Clayton no século XIX. A Muralha entra por uma floresta e, logo à saída desta, encontra-se mais um fortim, este o número 37 e o único com restos do arco de uma das suas portas. A seguir a este fortim, o Trilho da Muralha de Adriano encontra-se com outro trilho nacional vindo de Norte: o Penine Way, seguindo como um só ao longo da Muralha durante vários quilómetros.

Por cima de nós o céu começou entretanto a escurecer e, alguns minutos depois, abateu-se sobre nós um aguaceiro que nos fez pensar que talvez tivesse sido boa ideia trazer bóias, para além de impermeáveis. Tendo sido impossível recolher fotografias de alguns pontos relevantes da Muralha, nomeadamente a passagem conhecida como "Sycamore Gap", conseguimos ainda apreciar outro fortim extremamente bem conservado, o número 39, situado logo a seguir a um lago, o Crag Lough.



A Muralha de Clayton e, ao longe, os "Crags" por onde tínhamos passado umas horas antes.


A porta norte do fortim nº37. Uma imagem emblemática desta secção do trilho. A porta foi mais tarde estreitada para reforçar a segurança do fortim.

Vista para os "Crags" e para o "Bromlee Lough"


Junto ao lugar onde outrora se ergueu o fortim de milha nº38, dele apenas se percebem hoje algumas irregularidades no solo, encontra-se a Quinta Hot Bank. À passagem fomos atentamente vigiados por duas sentinelas que não arredaram pé.


O Milecastle 39, logo a seguir ao Sycamore Gap, com as casernas individualizadas. Trata-se de um dos melhores fortins de milha da Muralha, tendo sido escavado e parcialmente restaurado nos anos 1980. Por outro lado, a única arvore existente no Sycamore Gap (não fotografado devido a um problema atmosférico que era o seguinte: a elevada precipitação) é conhecida como a "Árvore de Robin Hood", devido às filmagens que aqui foram feitas para o filme "Robin Hood - O Príncipe dos Ladrões", protagonizado por Kevin Costner na sua fase pré-apocalíptica.


Finalmente em Once Brewed... sem jantar

Chegámos por volta das 20h40 à pousada da Juventude de Once Brewed, onde iríamos passar a noite. Logo ao lado sabíamos que havia um pub, o Twice Brewed, e pensámos em ir aí jantar. A história à volta destes dois nomes (Once Brewed, Twice Brewed) é curiosa. Segundo nos contara nessa manhã a Sandra, antigamente havia neste local não um mas dois pubs, um ao lado do outro. Os clientes começavam a beber num deles e depois passavam ao próximo para apanhar nova bebedeira. "They got once brewed  and then twice brewed", tinha-nos contado.

Infelizmente, nessa noite não conheceríamos o Twice Brewed pois, segundo o funcionário que se encontrava na recepção da pousada, o pub tinha parado de servir jantares às 20h30. Ofereceu-nos no entanto uma alternativa: um take-away na pequena cidade de Haltwhistle, não muito longe dali, que fazia entregas. 

A Pousada da Juventude e, ao fundo da Estrada Militar, o Twice Brewed.

Não tendo outra alternativa, ligámos para o restaurante para encomendar o jantar, de acordo com o folheto que o jovem da recepção da pousada nos tinha fornecido, mas do outro lado recebemos uma má notícia: o motorista tinha tido um acidente e nessa noite não haveria serviço de entregas. O jantar acabou por ser constituído por barrinhas de cereais e chocolate, bem regado por um belo refresco e leite achocolatado, tudo obtido nas máquinas de vending da pousada.

Após um belo banho, estendemos a roupa para esta secar e fomos dormir. Pessoalmente, não me lembro daquilo com que sonhei mas deve ter girado à volta de um bem gorduroso pequeno-almoço inglês.

A Seguir: Uma divindade romana que ainda recebe oferendas e a mulher que quase enfiou o carro nas silvas para nos dar indicações sobre o caminho


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