Reflexões sobre o jogo da bola, à luz da derrota do Benfica

Pelas redes sociais, os últimos dias têm sido férteis em acesos debates centrados na temática do futebol e o mínimo que se pode dizer é que a irracionalidade e a lógica não quiseram envolver-se neles.

É lamentável e preocupante assistir ao nível das mesmas, cheias de generalizações patetas, de argumentos do tipo "nós fazemos porque vocês fizeram!", e que não raras vezes redundam em ofensas pessoais e em cisão social. A comunicação social, que explora e de que maneira esta faceta dos nossos cidadãos para vender, também terá alguma culpa, tal como têm culpa os dirigentes desportivos incendiários e irresponsáveis que temos na nossa praça, (há os até que usam termos como "guerra santa" (sic) para justificarem as suas palavras e atitudes!!) mas os responsáveis máximos são e serão sempre os comuns adeptos que fazem crer que o futebol é o fulcro central das suas vidas, declarando o seu "amor até à morte" e "contra tudo e contra todos", numa clara distorção de prioridades de vida. Mal vai a auto-estima individual quando esta depende de resultados desportivos...!

O cúmulo da irracionalidade perante o futebol: Em 1969, uma série de 3 jogos de futebol entre as selecções das Honduras e de el Salvador provocou uma guerra entre os dois países. Tendo durado 4 dias, ficou conhecida como "Guerra del fútbol". Terminou sem vencedores e custou a vida a dois milhares de civis. 


O futebol pode ser tema de discussão e de humor. Não é o melhor dos temas, não é um tema que enriqueça a cultura de quem o debate, mas é um tema melhor que vários outros. No entanto, quando se equipara o mesmo a uma religião (também teria aqui muito para dizer), quando se usa o futebol como se de uma qualquer expressão de identidade tribal se tratasse, torna-se uma discussão onde a razão deixa de ter espaço para existir.

Há poucas horas, o Benfica perdeu a final da Liga Europa. Por todo o lado, antes do jogo mas sobretudo depois dele, abundaram as adjectivações mais ou menos violentas e acusações de anti-patriotismo dirigidas a quem não desejou a vitória deste clube.  Abundaram também os comentários trocistas, muitos de teor inofensivo mas também muitos de um nível perfeitamente escusado, dirigidos aos perdedores da noite. Se por um lado é notório que há dificuldade em aceitar o livre arbítrio alheio quando este é divergente do seu, e este pode e deve existir desde que não ponha em causa as liberdades e integridade de cada um, por outro lado, também é manifestamente redutor fazer depender o patriotismo de cada um do facto de apoiarem, ou não, um clube de futebol em competições internacionais.

A expressão máxima deste patriotismo traduzido em apoio a equipas de futebol, tem a sua expressão máxima nos jogos da selecção nacional de futebol. Ser português passa a depender do facto de se apoiar a selecção nacional e cantar o "hino da selecção", perdão, o hino de Portugal antes de cada jogo. Durante a participação da selecção nacional de futebol em competições importantes, abundam pelas janelas e varandas de Portugal bandeiras portuguesas, não sendo importante se as mesmas contêm simbologia adulterada e estão penduradas ao contrário. O que interessa é que o "pano", pendurado onde toda a gente o possa ver, é uma declaração de profundo patriotismo. Ironia das ironias, esta moda foi lançada e estimulada por um imigrante brasileiro, pago a peso de ouro, e encheu os bolsos sobretudo a comerciantes de origem chinesa. Digam-me lá: isto é ser patriótico? Adiante.

Ontem não torci pela vitória do Benfica, tal como me é completamente indiferente que os adeptos de outros clubes torçam ou não pelo "meu" Futebol Clube do Porto em situações semelhantes. Isto não implica que não considere que a derrota de ontem tenha sido injusta, porque de facto o foi. Sejamos realistas: se os adeptos de um clube começam em primeiro lugar a torcer ininterruptamente para que, em competições internas, o seu clube vença e os principais rivais percam, será fácil inverter este comportamento de um momento para o outro? Se o número de troféus conquistados pelo clube de que se é adepto é usado como argumento em qualquer discussão, fará sentido torcer para que um clube adversário incremente o seu palmarés?  Podem dizer que sim (até fica bem), mas daí até porem isso em prática sem reservas vai uma grande distância. O meu caríssimo Pedro traduziu da melhor forma esta questão: "Imagina que não morres de amor por uma determinada pessoa. Se por acaso a encontrares do outro lado da fronteira, numa acesa discussão verbal com um espanhol, vais automaticamente tomar partido por ela?".

No entanto -e é aqui que se estabelece a fronteira do bom-senso- o facto de não se torcer para que determinada equipa ganhe ou até torcer para que esta perca, não é desculpa para, perante a derrota alheia, humilhar os adeptos do clube derrotado, usando-os como alvo de chacota em prol da auto-satisfação. Se é preciso saber perder, não é menos importante saber ganhar, até porque a alternância de vitórias com derrotas é uma inevitável constante do desporto e também porque, passado o respectivo momento de tristeza ou de alegria, acabamos por verificar que nada se alterou na nossa vida.

O futebol não é um jogo de vida ou de morte. É apenas um jogo. Por isso, alegremo-nos com as vitórias e brinquemos com as derrotas, enquanto bebemos um copo com os amigos. Isto sim é importante.


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