Histórias do 8 de Maio, o Dia da Vitória na Europa

Picadilly Circus, Londres,  comemorações do VE-Day

Assinala-se hoje o 68º aniversário da rendição alemã, momento que pôs fim à II Guerra Mundial na Europa, tendo o conflito continuado no Pacífico até à rendição japonesa, quase 3 meses mais tarde, a 15 de Agosto de 1945. A II Guerra Mundial custou a vida a mais de 60 milhões de pessoas, cerca de 3% da população mundial na época, deixando um legado de memórias difíceis de esquecer. Sendo assinalado em vários países (na Rússia e na Ucrânia comemora-se a 9 de Maio), em França este feriado é sentido de forma especial. 

Tive em 2005 a ocasião de falar com uma sobrevivente do conflito que, sem entrar em muitos pormenores, partilhou um pouco da sua história. Sendo judia, o seu destino estaria irremediavelmente traçado, não tivesse ela conseguido abrigo em casa de amigos, na cidade de Lyon, e vivido escondida num sótão até ao final da Guerra. Quando lhe perguntei pelo resto da sua família, a resposta foi desconcertante: "Não tenho familiares. Saíram todos em fumo pelas chaminés dos campos de concentração.".

Em França, para além dos monumentos oficiais à memória dos mortos pela Pátria existentes em todas as localidades, também é comum encontrarem-se inscrições que evocam a memória de determinados indivíduos em particular, como esta que encontrámos em Vicdessos, durante a nossa estadia recente nos Pirinéus:


Nesta casa habitava
MARCEL BARRERE-CASSAGNET
Doutor em Medicina
1907-1944
Conselheiro Geral do Cantão
Herói da Resistência
Detido pela Gestapo
Deportado e falecido
no campo de BUCHENWALD

Tu que passas, lembra-te
que ele deu a sua vida
para que a FRANÇA
Viva Livre 

Foi também nesta localidade que aprendemos a história de um outro médico que, durante a ocupação alemã (havia então em França 1 soldado alemão para cada 80 cidadãos franceses), viu parte da sua casa ser requisitada pelos nazis, mas nem isso o demoveu de ser subversivo. Assim, enquanto no 1º andar a sua esposa cozinhava para os novos inquilinos germânicos, o médico ia mantendo na cave alguns judeus e outros fugitivos (inclusive aviadores aliados), à espera de transporte para a próxima etapa da rota de fuga que, pelos Pirinéus, levaria alguns a conseguir chegar a Espanha ou Andorra com a ajuda dos passadores.


(dedicado) À GLÓRIA DOS PASSADORES
DO CANTÃO DE VICDESSOS
E DAQUELES
QUE OS AJUDARAM
EM PROL DOS EVADIDOS 
DA FRANÇA E DOS ALIADOS
1940-1944

Estes passadores eram gente comum que conheciam cada recanto dos vales como ninguém. Funcionavam em rede para ajudar os fugitivos a escapar para Espanha ou Andorra, incorporando-se num movimento heterogéneo regional da Resistência, embora tenha havido muitos que a receber dinheiro pelos seus serviços. Cada passador local tinha o seu próprio caminho secreto, Muitas histórias de fuga terminavam em tragédia, quer para os passadores, quer para os fugitivos, quando por infelicidade davam de caras com uma patrulha alemã  ou da milícia francesa colaboracionista, ou a montanha se revelava um território demasiado hostil. A Espanha, oficialmente neutra, permitia perseguições alemãs a até cerca de 10km dentro do seu território, o que aumentava consideravelmente o risco.

A repressão foi intensa, estimando-se que 1 em cada 330 habitantes da região tenha sido deportado para os campos de concentração, e muitas são as histórias que por aqui se contam, como a do jovem passador de 19 anos chamado Louis Barrau, pastor de profissão, que ao tentar escapar da casa incendiada pelos alemães que o haviam cercado, foi abatido a tiro.

Há ainda algumas histórias menos nobres acerca de falsos passadores que, após receberem o pagamento pedido, abandonavam as pessoas em locais ao acaso, garantindo-lhes que já se encontravam em segurança. Um deles não teve vida fácil após a guerra já que os familiares de alguns desaparecidos vieram à sua procura, dispostos a ajustar contas.

Ainda assim estima-se que mais de 30.000 pessoas tenham conseguido escapar em segurança pelos Pirinéus, entre 1940 e 1944.

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