Pelos Pirinéus VI - Incursão às Spoulgas de Bouan, contra manadas de vacas francesas

Último dia: De Norrat às Spoulgas de Bouan

Já há alguns anos, desde que pela primeira vez visitei a região e li alguma coisa sobre o património e a história da mesma, que queria visitar as Spoulgas de Bouan. As spoulgas, da deturpação em língua occitana do latim spelunca, significando gruta ou caverna, são grutas que foram fortificadas durante a Idade Média, para controlar o território com fortificações de baixo custo, comparativamente ao custo de construção de castelos. A sua utilização situa-se entre o século XII e o século XIII.

As da aldeia de Bouan, no vale do Ariége, rio que dá o nome a este departamento francês, são as que se encontram em melhor estado de conservação no país, e graças aos maciços calcários que ladeiam o vale, permitiam o controlo da histórica via comercial que ligava a região da Catalunha à região de Toulouse.

Assim, o percurso escolhido partia da aldeia aldeia de Norrat, na comuna de Miglos, famosa pelo seu castelo, passando pelo Col de Larnat, a 1194m de altitude. Ao contrário das anteriores, a maior subida viria a ser feita no regresso.

Fonte: Geoportail. A azul, os percursos alternativos / atalhos.


O início do percurso, na aldeia de Norrat:


O cenário era mais uma vez lindíssimo, já que o trilho subia por uma densa floresta. Contudo, a partir de certa altura, certos... indícios no trilho e um inconfundível... aroma, deixavam adivinhar que ia em breve ter um encontro com algumas criaturas comuns pelas redondezas.

E eis que elas apareceram! Uma manada de 2 ou 3 dezenas de vacas a pastarem em pleno trilho! De repente senti-me um intruso quando todas elas pararam de pastar e ficaram a olhar-me fixamente. Confesso, e não querendo fazer qualquer analogia pejorativa mas tão somente comparando sentimentos, que já não me sentia tão inconveniente e tão intruso desde que há uns anos atrás entrei num café em Salamanca e descobri que todo ele estava preenchido por senhoras idosas vestindo casacos de pele, sendo que muitas delas pararam de conversar e bebericar para me olharem fixamente. Eis aqui três bonitos exemplares que se encontravam mais a descoberto (não falo das senhoras de Salamanca mas sim das vacas do trilho entre Norrat e Bouan):

Assim, por uma questão de precaução motivada até pelo meu desconhecimento em termos de temperamento de gado bovino de além Pirinéus, optei por continuar pelo caminho florestal que ali ao lado fazia uma curva, embora me prolongasse um pouco o caminho. O insólito voltou a manifestar-se mais à frente na forma de um sinal de perigo a alertar-me para a aproximação de uma passagem canadiana.


... que mais não é que uma grelha colocada no chão para impedir o trânsito de gado numa abertura da cerca. O canadiano é de facto um indivíduo que consegue ter boas ideias. O pior foi mesmo o aroma de natureza morta de origem intestinal bovina que por ali se fazia sentir ...


Ultrapassada a zona que deveria estar interditada por ameaça à saúde pública, para além da passagem canadiana, não tardou muito para que chegasse finalmente à passagem de Larnat. Pausa para respirar, beber água e fotografar.


Um olhar para trás, para o vale do Vicdessos...

... e para a frente para o Vale do rio Ariège que, para a direita, leva a Pas de la Casa, em Andorra. O meu destino era mesmo chegar ao fundo do vale, a Bouan, depois de passar pela pequena aldeia de Larnat a meia encosta.


Bouan é uma aldeia muito pacata onde abundam duas coisas: o verde e a água. O silêncio é apenas quebrado na parte mais baixa da povoação pelo som abafado do trânsito que circula na RN20, que se estende paralelamente ao rio.


Chegando finalmente junto à base do maciço calcário no qual se encontram as Spoulgas , fui obrigado a enveredar por (mais) uma passagem anti-gado para ter acesso ao trilho, algo mal conservado, que me levaria às grutas.

... não sem antes ceder passagem a mais uma manada que, pelos vistos se sentiu incomodada pela minha presença e decidiu ir dedicar-se ao pasto em zona mais afastada.

Para minha surpresa, após enveredar pelo trilho, dei de caras com um bezerro que havia ficado para trás e me encarava, provavelmente com a mesma inquietação que me apoquentou quando olhei para a direita e vi aquela que seria provavelmente a mãe do dito bicho, correndo na minha direcção, vinda do prado. Após um primeiro pensamento que foi "Ainda bem que trouxe pensos rápidos!", decidi que seria mais produtivo e saudável tentar convencer o bezerro a poupar trabalho à mãe e consegui, após algum esforço, que ele encontrasse uma saída do trilho que o levasse também ao prado. Finalmente juntos, bezerro e mãe decidiram ignorar-me e juntar-se ao resto da manada... para meu alívio.

Com caminho livre, prossegui em frente e, cerca de 15 minutos depois cheguei finalmente aos primeiros vestígios de fortificação. Uma entrada que deveria integrar-se numa primeira muralha que provavelmente cercaria as Spoulgas.

Mais à frente, na parede rochosa, era possível distinguir arranques e derrubes de muralhas. Fica a ideia de que as grutas seria apenas a parte mais recuada de um sistema defensivo relativamente importante.

A algumas dezenas de metros, finalmente cheguei à Spoulga mais importante. Originalmente teria dois muros defensivos, o primeiro, altíssimo, do qual ainda se vêem vestígios à esquerda e que fecharia a base, e um outro que se encontra em excelente estado de conservação, com os merlões (o nome dos elementos do "recorte" que vemos no topo das muralhas) ainda bem visíveis.

A ocasião era boa demais para desperdiçar a oportunidade de praticar geocaching, visto que nesta Spoulga se encontra uma geocache. Sabendo, pelas pistas que esta se encontrava numa plataforma junto à muralha superior, foi necessário entrar na gruta e depois trepar por uma passagem de cerca de 5 metros até à plataforma. Ultrapassadas as vertigens, a busca terminou com sucesso e com o meu primeiro registo numa geocache francesa!

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