Presidenciais 2011 - Da feroz campanha da Abstenção à urna improvisada numa caixa de cartão

Este texto deveria ter sido publicado no decorrer da semana passada. No entanto, devido a situações diversas resultantes de factores vários, tal acabou por não acontecer. Seja como for, e porque não quero desperdiçar prosa que entretanto já tinha escrito, aqui fica o dito artigo, numa espécie de comemoração dos 7 dias das eleições.

Naquelas que foram provavelmente as eleições mais atribuladas da 3ª República, a abstenção não deu hipótese à concorrência, vencendo com maioria absoluta de 53% das preferências do eleitorado.

A explicação passa evidentemente pela disparidade no nível de atractividade dos diversos programas eleitorais. Enquanto os costumeiros políticos da nossa praça impingem programas eleitorais pouco interessantes, essencialmente baseados em acusações mútuas, a Abstenção promete bucólicos passeios dominicais, tentadoras idas ao shopping e uma tarde no sofá a assistir aos filmes familiares da TVI, algo que, convenhamos, consegue ser mais atractivo do que as propostas dos demais.Também não é muito motivadora a expectativa de ter de encarar um boletim de voto meio soturno, ao qual só faltam os dizeres "Agradecimento" e "Missa do 7º dia" ao lado da foto de cada um dos candidatos.

Houve ainda um factor adicional e inesperado que terá contribuído para empolar ainda mais este resultado. De todo o lado chegaram relatos de eleitores cujas intenções de voto esbarraram clamorosamente no mais insuspeito dos obstáculos: o furtivo e implacável Simplex! Pensando que a apresentação do dito Cartão do Cidadão (também conhecido entre os amigos como Cartão Único) bastaria para poder votar, depressa vários eleitores descobriram que estavam enganados. Sem hipótese de confirmar o seu número de eleitor, desanimados pelas filas e pela saturação dos serviços de informação na web, há quem diga que muitos foram vistos em desespero, pondo o seu Cartão do Cidadão à contra-luz ou esforçando a vista no holograma do dito, na tentativa de encontrarem o número mágico.

Quanto aos candidatos, Aníbal Cavaco Silva voltou a vencer por maioria absoluta. Com uma campanha em duas fases: primeiro de total inocuidade para, logo a seguir, apanhar tudo e todos de surpresa com a revolucionária ideia de ser o salvador de uma pátria tão nas lonas que não teria dinheiro para suportar uma segunda volta. Nestas eleições, Cavaco Silva até aproveitou para pulverizar alguns recordes, de tal forma que o epíteto de Cavaquistão deixou de ser propriedade de Viseu para passar para Vila Real, pelo menos por uma vez.

Curiosamente, terá sido na aldeia de Enxabarda, freguesia do Castelejo e concelho do Fundão, que se registou o seu melhor resultado de sempre eleitoral, já que o professor arrecadou a seu favor, nada mais, nada menos, que 100% dos votos. O facto desse resultado derivar, devido ao boicote da população, de um único voto da autoria de um idoso de 85 anos e depositado numa urna improvisada com uma embalagem de cartão de um termo-ventilador, é apenas um pormenor. Os números valem o que valem.

Quanto a Alegre, apesar de ter mostrado um profundo conhecimento das nuances obscuras do sistema bancário português, em claro contraste com a fraca capacidade de controlo das suas próprias finanças, acabou por ser o grande derrotado da noite. Numa altura em que já há gente que não controla o reflexo de cuspir para o chão quando ouve o nome de José Sócrates e quando o seu grande trunfo nas últimas eleições foi precisamente a ruptura com o PS, ter o actual Primeiro-Ministro a discursar nos seus comícios de campanha não foi nada inteligente. Será que o Manuel Alegre queria mesmo ganhar?

Relativamente a Fernando Nobre, o maior elogio que se lhe pode fazer é que obteve praticamente o mesmo resultado que o Pai da Democracia obtivera nas anteriores eleições, com a diferença do primeiro ter concorrido como independente. Preencheu os tempos de antena com a sigla AMI, atirou-se ao Cavaco, atirou-se ao Alegre e, não contente com isso, atirou-se na parte final da campanha à Comunicação Social.

Do lado do PCP, quem assumiu o ingrato papel de candidato foi Francisco Lopes. Findas as eleições, faço a mesma pergunta que fiz no início: Mas afinal quem é este indivíduo? Não sendo original nas suas críticas ao Governo, fez questão de dizer ao país que era o único dos candidatos que não estava comprometido. Só não ficou bem esclarecido se era de política que falava ou do seu estado civil.

Da Madeira chegou aquilo que muitos apelidaram de "lufada de ar fresco" desta campanha, embora me pareça estranho denominar de "ar fresco" uma atmosfera tão viciada com óxido nitroso. Sinceramente, tenho de dizer que, no momento em que José Coelho se descreveu como sendo o "Mourinho da Política", quase conseguiu o meu voto. Numa campanha toda ela irreverente, tentou convencer os portugueses de que Alberto João Jardim era o culpado de todos os males da nação, isto antes de ter decidido que seria mais prudente dizer também algo acerca de Cavaco Silva. Convenhamos, o seu programa político era extremamente interessante para os contribuintes: para resolver a crise, as medidas de austeridade eram uma completa parolice. Bastava desterrar Alberto João Jardim. Não consegui ainda assim ter mais votos que o somatório dos votos nulos e brancos.

Vindo do Alto Minho, Defensor Moura acabou por quedar-se pelo último lugar das preferências dos eleitores. Acabou extremamente prejudicado pelo facto do território português se estender um pouco mais para além do rio Cávado. Assim de repente não me recordo de mais nada para dizer sobre ele...


Frases fortes das Presidenciais 2011:

Cavaco Silva: "Não faço comentários!"
Manuel Alegre: "Sou péssimo gestor de mim próprio!"
Fernando Nobre: "As sondagens são uma vergonha!"
Francisco Lopes: "Sou o único que não está comprometido!"
José Coelho: "Sou o Mourinho da política!". "Ouvi dizer que mora aqui um senhor que gosta muito de submersíveis!". "O Alberto João Jardim é um ditador"... é melhor parar.
José Sócrates: "Quem fala em crise não é patriota!", ouviram senhores contribuintes?
Mário Soares: "..."
Eleitor comum: "Como assim, não consto deste caderno?"

Tenho esta sensação desagradável de que falta aqui alguém...

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